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segunda-feira, 23 de julho de 2012

Por que Game of Thrones é bom?



Existem duas maneiras pelas quais histórias podem prender nossa atenção ou serem interessantes.

A primeira é através do nosso senso ético: histórias em que o bem triunfa sobre o mal, em que o mocinho fica com a mocinha, em que o sacrifício do herói é reconhecido, emfim, histórias em que nossa noção do que é certo e o que é errado é satisfeita pelo enredo de alguma maneira. Muitas narrativas são construídas de maneira a fazer você torcer pelo elemento que representa justiça ou o bem, colocá-lo em conflitos, dificuldades e no final fazê-lo triunfar, mesmo que por sacrifício. Elas servem, no fundo, para te dizer de algum modo: "todos passamos dificuldades, mas no final o bem sempre vence."

Porém, temos que lembrar que nosso senso ético e a realidade nem sempre são coerentes. Você pode até acreditar que pessoas boas são recompensadas e pessoas más são castigadas, mas sabe que no mundo real nem sempre é assim. Você sabe, independente de seus códigos, que no mundo há injustiças, que as coisas nem sempre correm como planejado e que o destino das pessoas nem sempre está em total concordância com o seu valor. Pode até ser que você justifique as injustiças com filosofias de julgamento pós-morte, mas ainda sim estará admitindo que "como este mundo é inegavelmente injusto, a justiça ocorre num outro mundo que não este".

E é aí que vem a segunda maneira pela qual uma narrativa nos prende ou nos fascina: a verossimilhança.

As histórias em que o bem e o mal estão claramente definidos e entram em conflito direto e objetivo apelam para a nossa necessidade de ver justiça sendo feita, apelam para a empatia que construímos com os heróis com os quais nos identificamos e nos dão a sensação de que "nós vencemos", os valores nos quais acreditamos prevaleceram. Mas o mundo real não é assim, e as histórias verossímeis nos chamam a atenção exatamente por causa disso, porque desafiam a nossa noção de certo/errado nos colocando em luta contra a realidade.

Game of Thrones elevou a fantasia medieval á um outro nível não por causa da riqueza do mundo em si, muitos ainda atribuem á Tolkien a medalha de ouro no quesito "riqueza de cenário". George Martin conquistou seu lugar entre os melhores por causa da verossimilhança com a qual os personagens interagem com o mundo por ele criado. Não existe em nenhum momento da narrativa, o compromisso de satisfazer suas noções pessoais de justiça. É um mundo caótico, onde há brigas por poder, traições, mentiras e injustiças, assim como o nosso. Nenhum personagem é completamente bom, mau ou neutro, eles apenas seguem seus interesses e agem da maneira que a vida de cada um os ensinou a agir, exatamente como no mundo real.

Na verdade, por vezes é fácil esquecer que se está lendo fantasia quando se observa o mundo de George Martin, tão real e complexa é maneira com a qual os personagens reagem uns aos outros. Há uma tensão adicional no enredo quando você começa a perceber que tudo pode acontecer, que ninguém está protegido por moral, seja ela qual for. Um dos maiores pecados dos escritores e deixar sua moral pessoal impregnada no livro de maneira óbvia, por exemplo: um escritor que acredite que as pessoas deveriam ir para a igreja pode acabar fazendo com que todos os personagens de seu livro que vão para a igreja sejam afortunados com histórias e finais felizes, enquanto os que não vão sempre vão se dar mal. Quando o leitor percebe um padrão moral na narrativa, ela fica previsível, e se uma narrativa é previsível, perde-se parte do interesse, mesmo que o leitor concorde com a moral colocada no livro. O leitor que desvenda o padrão moral da narrativa prevê com facilidade o desfecho de qualquer personagem nela contida.

E nas Crônicas de Gelo e Fogo, há momentos em que podemos jurar que o autor quer passar a mensagem de que você deve ser um mentiroso maquiavélico e manipulador se quiser ser alguém na vida, mas como ele mesmo não poupa personagens com essas características, ficamos no escuro, tentando saber o que acontecerá em seguida, qual será o próximo passo. Ao invés de adotar um padrão moral, Martin parece colocar inúmeras morais diferentes em conflito, sem deixar nenhuma delas prevalecer durante tempo demais. E assim o autor brinca com nossos sentimentos, constrói e destrói esperanças e conceitos a medida que o livro avança, satisfaz nossa necessidade de justiça aqui, e a ignora ali, tudo para manter um nível perfeito de equilíbrio entre opostos: ordem e caos, esperança e desespero, "gelo e fogo".

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Metáfora XXII




Há dez meses ele fazia o castelo de cartas, o ângulo de cada carta milimetricamente calculado para proporcionar uma estrutura piramidal perfeita. Colocava um por carta por carta. Haviam dias que não colocava nenhuma, dias em que colocava duas, e até aqueles dias em que ele colocava quatro. A cada semana o tamanho do castelo aumentada. Haviam algumas vezes em que ele chegava ao topo, mas então simplesmente adicionava mais duas cartas á base no canto da pirâmide e começava a aumentá-la de tamanho. As cartas verdes em cima da mesa estavam bagunçadas, ele havia juntado todos os baralhos que tinha para montar aquele castelo em cima da mesa.

A porta á sua esquerda estava fechada, mas as janelas e a outra porta estavam abertas, como sempre. Nada fazia a mesa tremer, nada fazia ele perder a concentração. Os movimentos eram precisos e calculados, se uma carta fosse colocada no castelo de modo imperfeito, ele a retirava cuidadosamente e tentava mais uma vez, era por isso que haviam semanas que ele só acrescentava um andar á sua estrutura. Frieza vinha sendo sua especialidade nos últimos dez meses. Com a excessão de dois breves momentos em que o vento batera a porta da esquerda, o castelo de cartas não correra perigo.

Contanto, é claro, que a porta permanecesse fechada.

Um dia, foi chamado para ir ao jardim. Botou mais duas cartas na sua estrutura e se levantou. Se arrumou e ficou animado, fazia tempo que não ia ao jardim, fazia tempo que não via as flores, o sol e muitas outras coisas que o animavam há um ano. Abriu a porta da esquerda e saiu. Quando chegou ao seu destino cheirou as flores e muitas pessoas que frequentavam o jardim periodicamente o cumprimentaram, todas comentando o longo tempo que ele não aparecia lá. O rapaz ficou feliz, correu, pulou, brincou e riu como não ria há muito tempo. Havia se esquecido de como era bom brincar no jardim, havia se esquecido de como era prazeroso sentir o perfume das flores, a maciez do gramado e as risadas dos outros que lá estavam.

Mas sua felicidade durou pouco. Pois ele não ia ao jardim por um motivo, e esse motivo não mudara em dez meses, e muito provavelmente não mudaria tão cedo. Ele se esquecera de porque desistira de sentir aquele perfume, de ver o gramado e de ver as pessoas. Se esqueceu de porque ele se trancara em casa construindo o castelo de cartas, usando cartas tão verdes quanto o gramado que queria evitar. E esse esquecimento lhe custou caro...

- Você está bem?
- Sim! Olhe só este maravilhoso gramado! Olhe só isso tudo!
- Então tem certeza de que está bem?
- E por que não haveria de estar?
- Não sei, talvez por causa da Phoênix...

Congelando, ele para um lado... nada. Olhou para o outro... nada. Mas quando olhou para o céu á sua frente, lá estava ela, brilhando de maneira incandescente já voando em sua direção. Ele pôde sentir o calor das penas á distância, pôde ouvir o bater das asas que assombrava seus sonhos e então começou a se lembrar de porque abandonara o jardim. Não era pelo jardim em si, ele aprendera com o próprio pássaro de fogo a amar o jardim como ele amava outras coisas, mas esse era justamente o problema: o pássaro amava o jardim também, e sempre estaria lá.
Assim que a ave flamejante passou por ele, as chamas o queimaram. Ele quase foi jogado para trás com a força do vento. Olhou para os lados desesperado e correu para casa.

Foi então que viu a porta da esquerda aberta e seu castelo de cartas que passara dez meses construindo no chão. Nem uma única carta ficara de pé. Ainda sentindo a dor das queimaduras, ele fechou a porta atrás de si. Era por isso que ele desistira do jardim, era por isso que ele sabia que ia ter que aprender á amar praias, montanhas, colinas e parques. Era por isso que aquela porta não podia ser aberta. Agora tudo fazia sentido, ele se sentou na cadeira que sempre se sentava para montar o castelo, ainda tremendo de nervosismo e com os braços ardendo, e passou um tempo olhando para o nada.

Era como voltar dez meses no tempo, ele botava as ataduras e, com as mãos tremendo, trancava a porta da esquerda, recolhia as cartas bagunçadas e as organizava numa única pilha, tudo exatamente como á dez meses atrás. Assim que terminou de organizar as cartas verdes do imenso baralho, dividiu-o em cinco pilhas, pegou duas cartas, e colocou-as em cima da mesa, uma encostada na outra, formando uma pequena pirâmide, e começou tudo do zero, exatamente como há dez meses atrás.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sobre a "Friendzone"



Um conceito criado por homens para denominar uma situação onde a mulher com quem eles presumivelmente querem se relacionar não os vêem nem os tratam de maneira romântica/sexual, não os considerando assim, potenciais namorados/ficantes/etc... deixando-o numa zona com intimidade e proximidade de amigo, mas sem a conexão física de uma relacionamento passional.

Existe um tipo de receio por parte dos homens em acabarem caindo, ou serem deliberadamente colocados nessa zona, pois isso configuraria uma relação platônica onde ele não se vê com nenhum tipo de vantagem. Em alguns casos, a reação masculina chega a ser de raiva, achando que a friendzone é uma injustiça emocional cometida contra os solícitos e atenciosos homens que perdem lugar para aqueles que não se esforçaram tanto ou simplesmente não ligam tanto para os tão complicados sentimentos femininos.

Tudo isso parte do pressuposto, é claro, de que há o interesse passional/sexual por parte do homem ao iniciar a aproximação que leva ao "friendzoning". Caso não haja atração, não há expectativas de se criar qualquer tipo de relacionamento, e se não há expectativas, não há frustração em se perpetuar uma amizade sem nenhum tipo de conexão passional/sexual. E assim o caso está encerrado.

Mas caso haja esse interesse, existem algumas observações a serem feitas, como por exemplo:

1. Homens sem iniciativa estão fadados á friendzone.

Quando homem e mulher (solteiros) começam a se aproximar e passar mais tempo juntos e a criarem afinidades, eles costumam agir de maneira diferente para elevarem a relação á um próximo nível. A mulher geralmente dá sinais de sua disponibilidade através de comentários e certas atitudes que denotam uma espécie de "sinal verde" para o homem avançar. Logo, espera-se que o homem "avance".
Muitos homens que reclamam de terem sido jogados para escanteio só estão lá por uma questão de timing, poderiam ter conseguido namoradas, ficantes ou sexo caso tivessem dado um passo á frente na hora certa e aproveitado os momentos propícios ao flerte que inevitavelmente permeiam a relação homem-mulher. Homens que não conseguem lidar com a própria insegurança e medo de rejeição serão naturalmente ultrapassados pelos mais seguros, que não necessariamente vão precisar construir a mesma afinidade que os seus predecessores. O que os deixa indignados e com o senso de injustiça cometida por parte da mulher, mas eles se esquecem que...

2. Ser legal e ser atraente são duas coisas diferentes.

Solicitude, compreensão e simpatia são boas qualidades que realmente tornam qualquer relacionamento mais fácil. Mas elas não necessariamente tornam um homem atraente. Muitos deles acham que por estarem dispostos a fazer favores, ouvir e investir tempo e dinheiro em uma mulher irá fazê-los, automaticamente potenciais parceiros, apenas pelo fato de que eles se sentem merecedores dessa posição. Mulheres não são obrigadas a se sentirem atraídas por homens indulgentes ou compreensivos, tampouco tem que compensar simpatia com sexo ou atração física. Ser uma pessoa educada cria nos outros o compromisso social de serem igualmente educados, nada mais. Os fatores que fazem uma mulher se sentir atraída costumam estar em dissonância com toda a insegurança, medo e passividade de um sujeito que não tem coragem de tomar a iniciativa. Mas admito que existem homens que sabem disso e ainda sim foram colocados na friendzone, e alguns desses casos geralmente se dão porque...

3. Nem toda mulher sabe o que quer (e nem toda mulher presta)

Muitas das jornadas que terminam na friendzone são marcadas por conversas onde a mulher passa um tempo considerável enaltecendo as qualidades masculinas citadas no item anterior, muitas vezes comparando o homem com quem confidencia suas mágoas com seus ex-namorados/ficantes/etc... Criando nele uma sensação de que ele é simplesmente o cara perfeito para ela, e que a melhor coisa que ele tem a fazer é tentar levar a amizade á um próximo nível. Admito que todo o homem tem de estar ciente de que ser virtuoso e ser atraente são coisas distintas, mas não posso negar que muitas mulheres usam homens pacientes e solícitos como muletas temporárias que descartarão assim que não forem mais necessários para a manutenção do seu estado emocional. Algumas mulheres fazem isso sem perceber, apenas por medo de sair da zona de conforto onde recebem atenção sem precisar se comprometer, e isso é apenas um efeito colateral da imaturidade ou falta de autonomia emocional. Mas outras calculam o processo de friendzoning com precisão decimal, vêem o homem se apaixonando aos poucos e não dizem nem fazem nada para frear suas expectativas, mesmo sabendo que futuramente não serão correspondidas. Essas são as que não prestam, pois constroem seu ego em cima de frustração alheia. E mesmo que hajam mulheres assim o homem tem que saber, por antecipação, que...

4. Amizade entre homem e mulher não é pra qualquer um

Ainda existem os casos em que o homem cria intimidade com a sincera e honesta intenção de apenas fazer uma nova amiga. Mas com o passar do tempo as afinidades vão os aproximando e paixão brota, deixando-o numa situação complicada de ter que lidar com novos sentimentos de apego que geram ciúmes e saudades. Logo ele tem de tomar a difícil decisão de tentar uma abordagem e arriscar a qualidade da amizade (ou a própria existência da mesma) ou então engolir e suprimir seus sentimentos, tentando fazê-los morrer por inanição. Auto-conhecimento é uma peça chave nas relações humanas e se você é um homem que não consegue separar amizade de atração, tenha consciência dos riscos que o cultivo de uma amizade com mulher pode trazer. Muitos homens se esquecem que boas amigas e namoradas tem, invariavelmente, muitas qualidades em comum, o que exige uma mente madura e sensata para conhecer uma boa amiga e não vê-la como boa namorada.

Com exceção do número 1, tudo que foi citado aqui se aplica igualmente para os dois lados, pois existem casos de mulheres deixadas na friendzone também, amizade entre homens e mulheres solteiros estará sempre sujeita á esse tipo de peculiaridades. Ter uma amizade com uma pessoa e estar envolvido passionalmente/sexualmente com outra é relativamente fácil, mas todos os homens e mulheres deveriam estar plenamente cientes de que quando não é esse o caso, amizade entre pessoas do sexo oposto estará sempre sob a sombra de uma potencial tempestade de sentimentos que nem todos conseguem administrar. 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Sobre bancar a difícil




Primeiramente, digamos que uma mulher atribui a si mesma um valor X baseado no quão atraente, madura, interessante e talentosa ela acha que é. Essa mulher, diante de uma abordagem masculina vai, naturalmente, excluir qualquer candidato que seja avaliado como sendo menor que X. Isso é normal, se chama amor próprio, é um tipo orgulho saudável que previne que você se humilhe. Todos temos o direito de estabelecer nossas notas de corte quando o assunto é relacionamento, é uma questão inteiramente pessoal. Não é problema seu nem meu se uma mulher decidir que só quer pegar modelos, ou rockstars, ou caras que andam de Camaro amarelo (ou uma utópica combinação dos três). Ela tem o direito de ser o quão seletiva ela quiser, o quão difícil ela acha que tem o direito de ser.

Mas uma mulher difícil, e uma mulher que banca a difícil são coisas diferentes.

Existem mulheres que acham que a melhor maneira de se destacarem, de ganharem vantagem sobre as concorrentes, de chamarem atenção, é de bancar a difícil, se mostrar desinteressada e desapegada. Pensam que simular um estado de apatia e indiferença é a melhor maneira de se responder a uma abordagem masculina. Que os homens serão atraídos magneticamente por um poker face combinada com tiradas desnecessárias assim como um gato tenta pegar o laser na parede.

Ser difícil não torna uma mulher interessante. Ser engraçada, inteligente, talentosa e bem humorada torna uma mulher interessante. Nenhuma mulher ganha mérito por sentar lá e não fazer nada, nenhum homem se derrete por apatia e nariz empinado, e se o faz, ainda não é um homem. As mulheres devem se destacar pelas suas qualidades, suas virtudes, e não pela sua capacidade de bloquear com quem está tentando interagir com ela.

O inconsciente feminino está cheio de premissas estranhamente distorcidas sobre homens e algumas pensam que essa é a melhor maneira de se filtrar os pretendentes. Que, uma uma vez que elas bancarem a difícil, apenas os homens mais corajosos, extrovertidos e seguros irão lhes alcançar. Acham que se construírem paredes altas o suficiente em volta de si, apenas os mais fortes conseguirão escalá-la para chegar até ela.

Isto está errado porque bancar a difícil parece ser uma boa ideia partindo da premissa que os homens vão inferir que se você age como a última coca-cola do deserto, você deve ser a última coca-cola do deserto, logo vão te desejar. E se você não for, os homens corajosos, extrovertidos e seguros que ultrapassaram sua enorme camada de resistência vão encontrar uma pessoa comum, que não tinha motivos para ser tão seletiva e podem acabar se decepcionando com a propaganda enganosa.

A mulher que se dá o valor X, mas acha que tem se fazer de difícil para que os homens achem que ela é 2x está se supervalorizando da pior maneira possível, está declarando que não se acha tão boa assim, mas que quer homens corajosos, extrovertidos e seguros. Ora, que direito tem ela de exigir dos outros mais do que ela se acha capaz de dar?

Sou a favor do amor próprio e da nossa independência de decidir o que é melhor para nós. Mas colocar num produto uma etiqueta com um preço duas vezes mais caro que o normal só vai atrair os consumidores que acreditam que preço é sempre diretamente proporcional á qualidade do produto. Os consumidores inteligentes vão se perguntar: "por que eu pagaria tão caro por uma dessas?"

terça-feira, 17 de julho de 2012

Pandora



Houve um tempo tempestuoso marcado por agonia
Onde o limite entre dor e deleite, já não mais se distinguia
Enclausurado no olho gélido de um grande furacão
Peguei a caixa e senti o peso da minha última decisão

Abri sua tampa já sabendo as desventuras que estavam por vir
E chorei enquanto a observava sugar o mundo que construí
O mundo que antes aparentava tamanha beleza e constância
Agora era frágil e pálido, como um sonho bobo de infância

Desde então mantenho-a fechada, escondida em meus aposentos
Longe da minha vista, para não despertar meus lamentos
Pois ainda receio o retorno das alegrias e dores de outrora
Caso eu ouse abrir a caixa, a caixa preta de Pandora.

sábado, 14 de julho de 2012

Metáfora XXI



O limbo é como que um "prêmio de consolação" do catolicismo para aqueles que não são bons o suficiente para irem para o céu ou maus o suficiente para irem para o inferno. Uma espécie de escala que as almas tinham que fazer antes de adentrarem nos portões do céu. Em muitos escritos bíblicos o limbo é descrito como um lugar onde não há penas ou purificação a se realizar, é uma lugar em que se vive em plena felicidade natural sem, porém, ter a graça de Deus. Ou seja, sem a felicidade eterna e verdadeira que se aguarda no pós-morte.

Então resumindo, você vive feliz, mas não TÃO feliz quanto poderia. Você não sofre tanto quanto poderia estar sofrendo, mas em contrapartida, a felicidade suprema está reservada á aqueles que estão no andar de cima. Você está, para todos os efeitos, na média. É exatamente onde a maioria das pessoas se encontra, afinal esse é o conceito de média. Falta-lhe o essencial para desfrutar da felicidade verdadeira, o que você tem é apenas um tipo de paz estática, uma serenidade razoavelmente satisfatória.

E como o ser humano tende a olhar não para aquilo que tem, mas para aquilo que lhe falta, o limbo presumivelmente proporciona uma agonia muito grande a seus habitantes, por saberem que não estão lá nem cá. Estão felizes, sãos e em paz o suficiente para se dedicarem á pensamentos, filosofias e teorias acerca do quão boa a vida poderia ser, caso eles estivessem no paraíso. O tempo semeia infelicidades na mente ociosa, e logo o limbo é mais um castigo do que um lugar que se possa chamar de "felicidade eterna". Cheio de pessoas que, se tivessem feito um pouco mais, ou tivessem dado um pouco mais de sorte, estariam muito melhor do que estão agora. Um lugar cheio de pessoas que não estão exatamente completas, felizes e plenas. Mas estão ali tentando tapar aquele buraco com outras coisas, tentando ver se se distraem do fato de que elas não estão na terra prometida.

O único sofrimento no limbo é o psicológico, o da sua própria mente, pois afinal, em nenhum lugar das escrituras é dito que suas necessidades emocionais se anulam com a ida ao outro mundo. E deve ser realmente irritante não poder reclamar das dores do inferno e não poder usufruir das bençãos do paraíso. Deve ser chato ficar em um estado de torpor emocional, onde não há alegria verdadeira nem sofrimento verdadeiro, onde tudo o que você pode fazer é olhar para aquele vazio e tentar, inutilmente, esquecer que ele está ali.