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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O processo


Que nada na vida é certo, já é de conhecimento comum. A única exceção desta máxima é talvez a morte, e diz-se talvez não por questionar sua inevitabilidade, mas sim por se admitir os inúmeros significados que ela pode vir a ter para aqueles que creem na transcendência do espírito sobre a matéria.

Mas por via de regra, a sensatez e a experiência nos levam a crer que nada é estático no mundo que desfila perante nossos olhos. Até mesmo a solidez de nossos corpos é uma mera ilusão, visto que as células que nos compõem se renovam constantemente, num ciclo particular de vida e morte que nos mantém vivos para que possamos, então, morrer.

Mas de morte, basta. Voltemos á mudança, que é o assunto a ser tratado. Por vezes construímos, para nosso maior conforto, imagens e representações estáticas de pessoas ou situações que, em verdade, de estático nada tem. Para melhor compreendermos o mundo, tiramos fotografias mentais de certas coisas e as guardamos para posterior referência que, diga-se de passagem, tem curto prazo de validade. Um claro exemplo está nos traumas, que muitas vezes são reproduções distorcidas de sofrimentos que a muito já temos a capacidade de superar, mas que não tentamos por perpetuar o medo que tínhamos quando ele foi criado.

Nos tornamos mais fortes, mudamos a natureza de nossos julgamentos, ficamos mais experientes, tudo isso sem nem ao menos percebê-lo. Somos pessoas totalmente diferentes do que éramos a dez anos atrás (e se não me engano, nossas células também, para fins de reforço da analogia). Mas não é raro que meses ou até anos se passem para que possamos perceber que uma nova era chegou, para que possamos abrir nossos olhos para novas possibilidades e assimilar as vicissitudes da vida.

Esta cegueira nem sempre é involuntária, claro. Existem também os casos em que a mudança é percebida pelo indivíduo, mas que o medo de deixar sua zona de conforto é de tal magnitude que este se agarra àquilo que ele acredita lhe trazer segurança, deixando que as oportunidades lhe escapem pelos dedos. Mal sabe ele que sua resistência não anula a mudança, apenas a procrastina, muitas vezes potencializando-a e fazendo-a  voltar com força o suficiente para arrancá-lo do lugar de onde poderia ter saído de bom grado. Esse irônico processo kármico do qual a vida dispõe para tentar nos manter a par de suas atualizações é tão onipresente que por vezes nos esquecemos dele. Mas esquecer-se daquilo que é onipresente é fácil, vide o ar.

Cândidos ou devassos, astutos ou obtusos, obstinados ou acomodados, inseguros e soberbos, todos mudam. E não necessariamente mudam para seu oposto, pois as mudanças radicais raramente são permanentes e as poucas que o são, raramente são naturais. Geralmente o inseguro vira circunspecto e o soberbo vira confiante, mas dificilmente um tomará o lugar do outro de um salto só. Essa mudança gradual que nos leva a um ponto imaginário e relativo de equilíbrio tem nome. É claro que ela afeta mais a uns do que a outros, mas todos, a seu tempo, estão fadados de experimentá-la. Alguns analisarão o processo, comparando o que eram com aquilo que são e até o que virão a ser, outros permanecerão ignorantes do processo, mas poderão mesmo assim usufruir de seus benefícios. Afinal o tempo passa, e de mãos dadas a ele sempre vem, pronto para reciclar as mazelas da vida, o bendito processo...

...de amadurecimento.


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Metáforas XXIV


O primeiro olhar não nos revela muito. Claro que tal afirmação tem como referência o fato de que ser bonita não é "muito". A primeira impressão passa tudo aquilo que poderia em seu breve espaço de ser: existe harmonia, suavidade, simetria e até um toque de simplicidade na composição do todo. Até aí, nada mal.
Simplicidade inclusive é uma amiga muito íntima da beleza, lhe auxiliando ontologicamente sempre que possível, pois sofisticação algumas vezes transparece a falta de habilidade em fazer mais com menos, como se os elementos estéticos ali presentes fossem meras adições prolixas ao todo.

Mas voltemos a ela, simples e bela. Se terceiros tivessem nos dito que ela é especial, que sua composição é única e que seu processo de formação teve momentos peculiares que lhe conferiram um status maior, não chegaríamos a duvidar, mas nos aproximaríamos para checar o grau de veracidade da informação dada, muito mais por curiosidade do que por incredulidade. E não o fazemos de súbito, pois a nossa apreciação tem de ser como ela, suave, leve e harmoniosa. Os passos que damos para nos aproximar da musa sob os holofotes são lentos e comedidos, como se estivéssemos testando qual seria a distância necessária para os detalhes se revelarem.

O olhos se semicerram, a cabeça inclina para um lado e depois para o outro e então percebemos...



...percebemos em fim os detalhes que compõem o todo, e aí sim vem o arrebatador fascínio que a musa deveria nos causar. Assimilamos o que o todo realmente significa quando vemos partes tão engenhosamente combinadas para compô-lo. O que antes era uma beleza de nos despertar nada mais que um leve aceno com a cabeça seguido de algum comentário monossilábico manchado com a sombra de um sorriso agora nos ilumina não só a face com um sorriso, mas a alma com uma perplexidade. Percebemos o valor intrínseco daquilo que esta perante os nosso olhos, nos afastamos mais uma vez, para vê-la de longe e lá está a bendita simplicidade novamente, envolta em um brilho antes ausente. Agora que conseguimos captar toda a estética de sua criação, dos fatores que a fizeram vir a ser, percebemos o quão rara ela é.

Os sorrisos ainda nos acometem quando toda essa percepção volta a ecoar em nossas mentes, como quando nos lembramos da frase final de alguma perspicaz piada já contada. A incredulidade, anteriormente uma coadjuvante no amálgama de sentimentos, se recicla de repente. Mas reaparece como que potencializando a hipnose causada pela musa, não tentando negar-lhe a majestade como antes.

Claro que há quem sequer se aproxime, existem aqueles que a olham de soslaio e não se dão o trabalho de uma análise mais detalhada, talvez por falta de tempo ou de sensibilidade estética. Outros chegam a se aproximar, tentando descobrir algo além da simplicidade e beleza da primeira imagem que viram, mas seus encantos lhes permanecem um mistério, esses sim, pobres coitados, sofrem definitivamente da falta de sensibilidade estética.

À nós, afortunados tanto com o tempo e a curiosidade de um olhar mais aproximado quanto com a percepção para desfrutar das revelações por eles trazidas, restam os já mencionados incríveis sentimentos, reverberando numa sinfonia indescritível. E talvez, escondido num trecho posterior desta sinfonia, esteja também uma outra faceta da tal incredulidade, aquela que nos põe a pensar como, durante tanto tempo, tal beleza passou desapercebida?