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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Metáfora VIII


O bardo viaja a pé nas vastas planícies. Até onde a vista alcança há apenas grama verde e lisa. O céu está aberto e o sol brilha com força, seu chapéu o protege mas o calor o faz suar. Porém, ele tem suprimentos e esta pode ser considerada a viajem mais tranquila que ele já fez.

Mas não foi sempre assim. Tempos tortuosos já abalaram o passado do bardo. Havia uma época em que a tempestade era forte e ele passava frio sozinho nas colinas enquanto trovões cortavam os céus e castigavam seus ouvidos. E houve outra em que ele o tempo estava nublado, o vento era frio, mas não chovia, pelo menos não nele. Ele via achuva de longe, alguns kilômetros á frente. Esses eram os piores dias. Piores até do que aqueles em que ele era pego na tempestade.

Porque quando o bardo viajava, o presente detinha apenas um terço de suas preocupações. O outro terço se voltava ao passado e a terceira parte de seus pensamentos era dedicada ao futuro. Isso era muito bom durante tempestades, pois ele sabia que elas logo passariam, ele se focava em sua caminhada e na idéia de que nenhuma tempestade dura para sempre. A calma futura aplacava a agonia presente.

Mas era chato não ver o horizonte, era chato não saber para onde se estava indo. Quando o céu ficava nublado e ele via a chuva desabar sobre as planícies na linha do horizonte ele sentia um certo mal estar, como um mal presságio. Era tão bom ver todo o caminho que ele iria percorrer, quando sua visão ficava obscurecida era como se ele perdesse o rumo, perdesse sua principal referência para a viagem, como se ele perdesse o motivo para viajar. A agonia futura atrapalhava a calma presente.

Seu companheiros diziam que era besteira, que ninguém faz uma viajem pensando em como está o tempo na linha do horizonte, mas sim em como está o tempo agora. Mas o bardo não conseguia pensar assim. Assim como ele ignorava tempo e espaço para se sentir alegre com um horizonte bonito, que ainda estava distante dele e que talvez não fosse tão bonito quando ele chegasse, ele fazia o mesmo quando chovia, a chuva podia estar distante, borrando o céu de cinza apenas no limite da visão, mas ele sentia como se o frio estivésse ali, ele podia sentir as gotas frias atingindo seu rosto, algumas vezes ele até segurava seu chapéu por reflexo, para que este não voasse com o vento que provavelmente estaria soprando no olho daquela tempestade longínqua.

E ele ficava ali, parado. Enquanto chovesse no horizonte ele não andava. Ficava olhando segurando o seu chapéu com as duas mãos como um menino assustado, apenas depois que o céu estivesse limpo e o contorno das planícies fossem visíveis de novo, apenas quando fosse possível ver o azul do céu se encontrando com o verde da terra, ele seguia em frente. Engraçado, se a mesma tempestade desabasse sobre ele, ele continuaria corajosamente, não importa a força dos ventos. Mas se algo obscurecia seu futuro, ele se paralizava, ficava inquieto e apreensivo, olhando as núvens distantes tapar sua visão perfeita de futuro. Se sentindo perdido, mesmo sabendo que seu horizonte estava ali, apenas não era visível.

Ele ficava surpreso por saber que haviam pessoas que realmente preferiam o tempo nublado. Não gostavam do calor do sol. Gostavam do céu fechado e do horizonte tapado pelo véu cinza da incerteza. Para essas pessoas, era excitante não saber o que o futuro guardava para eles, era bom sentir aquele medo de ser pego por uma chuva á qualquer momento. Eles diziam que isso fazia você aproveitar melhor o presente, pois nunca sabia se estava prestes a olhar para uma tempestade. Nunca se sabia quando você estava prestes a entrar numa tempestade.

"Que mentes doentias"...pensava o bardo, precisam de desgraça eminente para dar valor ao belo. Precisam de incerteza e insegurança para sentirem que estão numa aventura, precisavam acorrentar as esperanças e sonhos de um horizonte limpo e simétrico para dar espaço á segurança da caminhada. Era claro que o bardo sabia que por mais que o horizonte estivesse bonito, ele podia mudar, sabia que uma tempestade podia vir, sabia que tudo podia acontecer, mas em que isso impedia uma pessoa de ser otimista e esperançosa? Quanto ás chuvas não podemos fazer nada, a não ser levar uma capa. Mas achar que a vida se vive como se amanhã fosse sempre chover? Caminhando sem olhar para frente e suspirar de alegria e inspiração? Para o bardo isso não era viver, era apenas existir.

Pois para ele vida e sonho eram duas faces da mesma moeda. O hoje e o amanhã eram duas partes de um mesmo mundo. A viajem de agora e o horizonte são extensões das mesmas planícies. Andar com uma capa era uma coisa, mas suprimir seus sonhos a ponto de preferir céu nublado á céu aberto? Loucura. Isso não fazia sentido para sua mente criativa.

Em meio a sua reflexão, olhou de novo para o horizonte. Linhas curvas lembravam um Yin-Yang verde e azul dividindo o céu e a terra. Enquanto o sol fazia a fina grama brilhar e o vento fazia ela balançar. O tempo nunca esteve tão bom, o horizonte nunca esteve tão limpo e tão belo. Ele nunca esteve tão otimista em sua viajem. Até porque ele contava com uma ajudinha a mais para lhe manter aquecido em tempos de tempestade ou em noites frias. Havia um fogo adicional a seu favor, o do pássaro que ele sempre tentou dominar, mas que voltara para iluminar seu caminho e aquecer seu corpo...

Um comentário:

  1. A eminência da chuva continua sendo pra mim um motivo pra aproveitar o dia melhor, pq sempre vai chover. É que nem meu professor da oitava série dizia uhsahusahua "Viva cada dia como se fosse o último. Uma hora vc acerta". Adoro as metáforas do bardo cara, mto boa essa.
    Abraço

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