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sábado, 19 de novembro de 2011

Ciclo


NEGAÇÃO: No início, eu não vivia exatamente aqui. Eu vivia no mundo ideal, aquele que eu via nos filmes da Disney, das comédias românticas e dos contos de fadas. Era um mundo vizinho, bem próximo do real, mas muito diferente. Eu conservava valores e idéias tão utópicos que muitas vezes me sentia diferente por causa de minhas crenças, separado da maioria por estar numa sociedade, mas seguindo as regras de outra. Não tardou até que eu, sem querer, saísse de lá e caísse pela primeira vez no duro, quente e sujo asfalto do mundo real. Mas considerei isso como uma falha de percusro, na verdade, eu ainda achava que estava no mundo da fantasia, acreditava que algum erro de cálculo havia feito eu cair nas mãos das sereias da terra do nunca, mas que isso seria passageiro e logo eu continuaria a brincar com os meninos perdidos e ter aventuras com a minha wendy.

RAIVA: Mas depois que as quedas foram ficando mais frequentes e violentas, comecei a perceber algo errado. Eu não havia caído e tropeçado simpelsmente. Eu havia sido puxado da minha ilusão para uma realidade muito mais dura e forte do que eu. Quando olhei em volta e vi esse mundo pela primeira vez, o ódio me consumiu de forma violenta. Eu olhava o modo como as coisas funcionavam, como as pessoas conseguiam o que queriam, como a justiça desses jogos funcionava e não sobrava espaço para nada mais além de raiva, pura e cega. Não conseguia aceitar o fato de ver tantos injustos prósperos e justos miseráveis. Não pude acreditar quando percebi que tudo aquilo com o qual eu sonhava se diferia tanto da realidade. Odiei, odiei todos e todas. Cheguei a odiar até a mim mesmo, por ser tão bobo por tanto tempo.

BARGANHA: Mas ainda havia uma ponta de esperança, talvez meus sonhos não estivessem totalmente mortos, talvez o conto de fadas pudesse existir, bastaria encontrar alguém que também estivesse disposto a torná-lo realidade. Tudo o que eu precisava fazer era manter minha fé neles, me manter fiel aos meus princípios e sempre demonstrar isso, assim, minha princesa logo me encontraria ou vice-versa e nós poderíamos ser a luz em meio a escuridão, o sonho no meio da realidade. E assim comecei a barganhar com a realiadde, acreditando que poderia comprar sonhos com devoção, me dediquei á eles incondicionalmente, na esperança cega de ser correspondido não pelo que eu era, mas pelas coisas nas quais eu acreditava.

DEPRESSÂO: Mas isso também não deu certo. A moeda do mundo real não eram sonhos e minha decepção doeu muito mais que o ódio inicial. Essa foi uma época de lágrimas, desistências e rendições. Percebi que o mundo em que eu estava era como um solo seco onde aqueles sonhos de menino não poderiam florescer, percebi que minha força de vontade de voar nunca seria maior que a força da gravidade, percebi que não havia pozinho mágico, Wendy ou Sininho, nem nunca haveria. Me vi no fundo do poço, num beco sem saída. Preso num mundo que odiava, amarrado á uma realidade que não queria aceitar como verdadeira. Me sentia um pássaro na gaiola, tirado de seu ambiente natural para viver enjaulado até a morte, sem nunca poder voar. Me sentindo incompleto, impotente e incompreendido por aqueles que me rodeavam, não me restava mais nada além de tentar me levantar.

ACEITAÇÃO: Limpei as lágrimas, arriei as mangas e tirei o pó da roupa. Era hora de descobrir qual era a moeda de troca, era hora de descobrir as regras do jogo. Percebi que ninguém viria me cumprimentar por hastear uma bandeira de sonhos, e por mais que viessem, que diferença faria se ela de nada valia naquele mundo? Apertariam minha mão mas não me dariam nada, eu continuaria pobre. Comecei a observar o mundo real com outros olhos, não com repulsa, mas com ambição, não pensando em como eu sairia dali, mas pensando em qual era a melhor maneira de me dar bem naquele lugar de intrigas, mentiras e brigas. A realidade que antes era mais dura que eu agora estava me endurecendo, e rápido. Durante muito tempo, foquei-me na defesa, em táticas que diminuiriam minhas chances de me machucar, aprendi a prever infortúnios e a ser cético nas minhas apostas, mas então, depois de um certo tempo, comecei a perceber também o valor da implacável postura agressiva.

Quando aos sonhos? Algumas vezes ainda consigo ver de relance aquele mundo através das núvens, distante como nunca esteve. Vejo o brilho do pó da Sininho nos olhos alheios, entre uma palavra e outra, entre um olhar e outro, entre um sorriso e outro. As vezes vejo a Wendy quando olho para alguém de relance, algumas vezes ouço a música que os meninos perdidos cantam num momento silencioso o suficiente. Estes sonhos estão lá, sufocando, sendo apagados pela experiência e maturidade, a terra do nunca está pedindo para que eu retorne, mas a selva em que me encontro é perigosa e violente, e demanda todas as minhas forças.

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