Como se tudo isso já não fosse o suficiente, ele vê os arbustos se mexendo, como se algo passasse por eles. Fica de pé com o coração acelerado e ela olha para ele, depois para o ponto onde ele olhou. "O que foi?" Pergunta ela. Mas ele nada diz, deve ser apenas a sua imaginação. Senta-se muito mais vagarosamente do que levantou e volta a abraçá-la. Mas a noite é longa não demora muito até que ela veja um vulto, mais negro que a noite e mais rápido que o piscar de seus olhos, passando por detras da barraca. Ela da um leve pulo com o susto e ele nota isso. "O que foi?" Pergunta ele, mas ela apenas responde que não era nada, podia ser apenas um coelho ou uma raposa, nada com que se preocupar. Pelo menos não por enquanto.
Mas a noite fica mais fria, de uma maneira que não é normal numa floresta, os assobios vão ficando mais sinistros, como se o vento gemesse as dores dos mortos naquelas matas. Ela adormece e ele fica de vigília, desta vez ele sente um frio gelado na espinha e um bafo quente na nuca, como se alguma criatura estivesse com a boca á centímetros de seu pescoço, ha algo ali. Quase gritando, ele salta de uma vez e se vira para tras, mas não há nada. Ela, que acordou derepente, pergunta: "O que foi, o que você viu?" Ele responde que não sabe, não viu nada, mas SENTIU algo, tem certeza que sentiu algo. "Você não sentiu nada?" pergunta ele, imaginando como seria possível não ter sentido aquela presença fantasmagórica agora pouco. Depois de um pouco de silêncio, ela responde: "Não. Não senti nada."
Ainda assustado e mais alerta ainda, ele volta a se sentar, joga mais um pedaço de lenha na fogueira, levantando brasas ao ar e puxa ela para se encostar em seu ombro. Mas ele já está tenso, tem certeza de que há algo ali. Algo maligno os espreita, ele só não sabe o que. O que ele não entende é como ela não sentiu nada, será que aquilo tudo era fruto de sua imaginação? Mas nem todo o seu medo o manteve acordado por muito tempo. Ele logo cai no sono e não percebe o tempo que se passa até ser acordado de súbito por um movimento brusco do lado dele. Era ela, ela havia se assustado com algo. Esfregando os olhos com ímpeto, ele olha em volta e não vê nada. "O que foi, o que você viu?" Pergunta ele. "Nada, deve ter sido minha..." Mas antes que ela concluísse a frase, o vulto preto sinistro passa novamente, desta vez, entre eles e a fogueira, á míseros dois metros de distância deles. Os dois gritam, pulam para trás, ela segura em seu braço com mais força que o necessário e ele leva a mão á adaga que está presa a cintura, olhando fixamente para o ponto para onde o vulto foi.
Mas algo dentro dele sabe que sua adaga de nada vai adiantar, algo dentro dele sabe que aquilo é algum tipo de entidade que não pode ser ferida com metal. Desta vez ele olha para ela e pergunta uma última vez: "Bem o que acha que fazemos? Há algo aqui." Mas ela nada diz, o oberva e depois de um incômodo silêncio, diz: "Não sei."
"Pois eu sei, vamos nos unir e caçar essa besta, minha adaga pode não ser de serventia, mas com minha magia e sua magia podemos queimar este demônio do gelo. Nossas fênix unidas podem...."
Não, não. Ele não responde isso. Ele PENSA isso. Por algum motivo essas palavras ficaram presas em sua garganta. Ele deixou aquele "Não sei" ecoar com força dentro de sua mente, reforçando uma pesada e violenta sensação de insegurança. E foi neste momento que ele foi vencido, neste momento o medo já era maior que ele. A noite foi passando e ele foi perdendo o sono, as poucas vezes que conseguia dormir, era castigado com horríveis pesadelos. E a cada vez que sentiam o fantasma se aproximar e sussurrar em seus ouvidos, os dois nunca estavam acordados juntos, ou olhando na mesma direção. O pequeno demônio só aparecia para um de cada vez.
Até que ele toma a decisão mais tola da noite. "Se você não sabe, vou procurar sozinho" Diz ele tentando demonstrar iniciativa, boa vontade, bravura e disposição para protegê-la. Ele pega um casaco e sai na mata sozinho, aos poucos vê o brilho da fogueira atrás de si diminuir, ingora as tentativas dela de dizer que aquilo era desnecessário, e pensa "Hora, se é desnecessário, então o que faremos?" Mas seu olhos não penetram na escuridão, o frio sem a fogueira ali perto é implacável, ele segura sua adaga com toda a força enquanto sente a presença sinistra se aproximar. Olhos vermelhos surgem na sua frente e ele sente a respiração parar, a mão tremer e os joelhos falharem. Flutuando no ar sem uma face na qual se prender, os olhos sinistros o encaram, desafiadores, ainda tremendo ele ergue a sua adaga, mas nesse momento, um grito espectral enche a mata. Um grito de doer os ouvidos de tão agudo e profundo. Junto com ele, um vento forte o suficiente para derrubá-lo sopra de repente. Ele volta correndo, convencido de que não pode fazer aquilo sozinho. Com o orgulho ferido, o espírito quebrado e a vontade esmagada, ele só consegue pensar em uma coisa, sair daquela floresta o quanto antes. "Não vou nem esperar o amanhecer" pensa ele.
Sem nem saber pelo que ela passou enquanto foi deixada sozinha ao lado da fogueira, eletoma sua decisão.
Por que ela não falou nada? Por que ele não falou nada? Ninguém sabe. Mas o fantasma conseguiu o que queria, através de insegurança e medo, conseguiu separá-los na jornada. Pois se você parar para pensar, fantasmas não podem fazer nada além de assustar. Sua arma é o medo, ele nunca foi uma ameaça real para o casal, mas nossa perdição é sempre o medo daquilo que "pode vir a ser" nunca daquilo que é. A grande maioria dos nossos medos nunca chega a se concretizar se você for parar para pensar. A arma que o fantasma usa não é dele, foi o casal que o armou, foi o casal que deu poder para que ele pudesse envenenar suas mentes mais ainda. Tudo o que aconteceu naquela noite na mata, foi ilusório, veio da mente deles, do medo deles, não havia nada lá, absolutamente nada. Tudo começou com uma única semente de medo.
Se ao menos eles tivessem se unido, se ao menos em um daqueles momentos eles estivessem olhando na mesma direção. Se ao menos eles tivessem FALADO...
...ah...tudo, tudo teria sido muito diferente.
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