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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Dilemas da paixão XIV



Por que alguém iria querer você?

Está pergunta não esta sendo feita de maneira depreciativa, mas pare para pensar: o que você tem de diferente? O que você tem de bom? Quais são suas qualidades, virtudes, diferenciais? Qualquer habilidade ou virtude que você mencionar pode ser encontrada em maior abundância em alguma outra pessoa, logo, qual é o seu valor?

 A melhor resposta provavelmente seria que seu valor esta na singularidade da combinação de todas as suas características, tanto as boas quanto as ruins. Mas é claro que você não vai sair por aí falando seus defeitos para seu público alvo, você vai concentrar seu marketing nos seus pontos fortes, deixar as pessoas perceberem os seus diferenciais subjetivamente e atrair atenção para poder atingir seus objetivo. Certo?

Talvez não. Expectativas moldam a maneira com a qual sentimos o mundo. Se suas expectativas são frustradas, você se entristece ou fica com raiva, se suas expectativas são satisfeitas, você fica feliz, e se suas expectativas são superadas, você fica maravilhado. Logo, fazer propaganda é criar expectativa, declarar-se como portador de certas virtudes e habilidades gera no outro uma expectativa que antes não existia, e quanto maior a expectativa, maiores as chances de decepção. Logo a propaganda atrai o nível de exigência do cliente que ela atrai.

Mas então a solução seria não fazer propaganda? Esconder virtudes e habilidades para não aumentar sem necessidade as expectativas alheias, ser omisso em relação ao lado positivo de suas experiências e seu nível de proficiência e maestria nas habilidades por você desenvolvidas? Mas se você o fizer, estará escondendo praticamente tudo aquilo que te faz único e especial. E se seus diferenciais não são visíveis, voltamos a primeira pergunta:

Por que alguém iria querer você.

Cria-se mais um dilema: por um lado, a propaganda subjetiva das qualidades afim de ser validado e amado simplesmente por aquilo que se tem de melhor e único, criando risco do desencanto ou do aumento exagerado de expectativas.

E por outro a omissão dos pontos positivos que seriam o único diferencial que justificaria a validação alheia, tão necessária para a manutenção do estado emocional.

Dilemas, dilemas...

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Dança, orgulho e ensino.


Sempre relacionei orgulho com conquista, é possível sentir orgulhos de coisas pelas quais se lutou para conseguir, pois conquista implica mérito, logo, pra mim não faz sentido sentir orgulho de ser brasileiro, ou de ser negro, pois isso são coisas sob as quais não se tem influência nenhuma, eu podia ter nascido em qualquer lugar e ter qualquer etnia, mas por uma questão de acaso nasci aqui e tenho uma determinada cor.

Mas mesmo quando se cultiva orgulho por realização e conquista, pode-se cometer o erro de deixar-se levar pela arrogância e pela soberba. O acúmulo de conhecimento ou de habilidades vai fazendo você se comparar com as pessoas e gradualmente, se julgar superior á elas apenas porque suas habilidades o são. E isso é o erro mais grave do aprendizado: achar que se sabe muito.

Quanto mais eu estudo uma determinada área de conhecimento, mas me sinto ignorante nela pois vejo que sempre há mais para se estudar, quanto mais desenvolvo uma habilidade, mais eu vejo que há muito mais níveis de proficiência nela do que eu anteriormente conhecia. Não consigo deixar de pensar que sempre tenho que melhorar um pouco mais, sempre tenho que aprender um pouco mais, porém nem todo mundo pensa assim.

Vejo na dança algumas pessoas que gostam de serem vistas dançando, gostam de mostrar que sabem dançar bem. Não há nenhum problema com isso, habilidades bem desenvolvidas acabam tendo respaldo no ego e na auto estima, é natural que a pessoa procure validação externa naquilo que ela se acha capaz de fazer bem. Mas o problema não é quando a pessoa se julga boa, o problema é quando ela se julga melhor que os outros. Quando esse pensamento de superioridade começa a aparecer, a pessoa só quer saber de dançar com gente que dança bem, e perde a paciência com quem ainda é iniciante ou tem menos tempo de prática que ela.

Esse tipo de pessoa se esquece que para chegar no nível em que chegou, alguém melhor que ela teve que ter a paciência de ensinar: o "professor". E utilizo o termo não me referindo á profissionais da dança que são pagos para ensiná-la, estou falando de todas as pessoas que, em algum momento, tiveram a paciência e a solicitude de repassar conhecimento para alguém que sabia menos. Como alguém teria a capacidade de menosprezar quem sabe menos, se a própria pessoa só pode atingir a maestria através daqueles que sabem mais?

Entendo que nem todo mundo nasceu pra ser professor, nem todo mundo tem em si o prazer de ensinar, muitas pessoas querem simplesmente evoluir a si mesmas e atingir altos níveis de proficiência nas habilidades que cultivam, mas mesmo assim, mesmo que seu foco seja auto-aprimoramento, não ter paixão pelo ensino só demonstra que você não seria um bom professor. Não ter paciência de lidar com quem sabe menos que você demonstra que você além de ser um mal professor é também um mal aprendiz, pois se esquece que é possível aprender com quem sabe menos.

O problema é que isso é uma verdade que geralmente só os professores realmente entendem.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O desabafo



Você diria "não ande" para uma criança que está aprendendo a andar, para que ela não corresse o risco de cair?
Você diria "não saia de casa nunca " para uma pessoa, afim de evitar que ela fosse assaltada?
Você diria á uma mulher para não ter filhos, pois estes inevitavelmente conhecerão o sofrimento e morrerão um dia?
Não?
Mas você diz para os outros não se apaixonarem, para não correr o risco de se decepcionar. Por quê?
O que te faz pensar que de um lado há sofrimento inevitável e o do outro felicidade potencial?
Você se acha sábio e experiente ostentando cautela, mas se esquece que cautela e medo não ensinam nada pra ninguém, e sim a experiência. A maior parte do que você sabe hoje veio de algo que você fez, não do que deixou de fazer.
E agora vem me dizer para não nutrir expectativas? O mundo é feito de expectativas, meu caro. Felicidade e tristeza são feitas de expectativas, que hora são satisfeitas, hora não.
O que você espera que eu faça, que ande como se fosse ser apunhalado a qualquer momento?
De onde você tirou que essa é a maneira mais feliz de se viver a vida?
Ter resistência sem resiliência é inútil, aprenda a se recompor das inevitáveis dores da vida sem choramingar,  vá a campo e se teste, teste os outros.
Ou você espera que as coisas aconteçam enquanto seus sonhos morrem por inanição dentro de você?
Não, não. Não venha me dizer para amar menos, para demonstrar menos ou para viver menos intensamente. Não exite um meio-amar, um quase-gostar, ou uma pseudo-paixão.
Não diga para um atleta não competir por risco de perder, guarde esse seu medo para você. O atleta tem plena consciência de que perder faz parte da competição, assim como todo mundo. Não passou pela sua cabeça que se mesmo assim ele compete é porque deve ter um bom motivo?


Vai guardar suas fichas? Ótimo, pois eu vou apostar as minhas. Só não me venha chorando depois, dizendo que a felicidade não bateu á sua porta.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Metáfora XXIII


Os dois garotos não eram apenas amigos, eram quase irmãos. Tão próximos e parecidos que se trocassem de casa talvez os pais não percebessem. Brincavam das mesmas coisas, riam das mesmas piadas e viam os mesmos desenhos. Consequentemente, era de se esperar que compartilhassem dos mesmos sonhos. Por vezes eles se viam olhando o mesmo horizonte, imaginando as mesmas aventuras e cobiçando os mesmos prêmios.

Mas meninos são meninos, pequenos demais para alcançar as prateleiras altas da cozinha, onde estão os biscoitos mais gostosos, tolos demais para saber como alcançar um objetivo desafiador. E como os meninos que eram, algumas vezes ambos tentavam pular para alcançar aqueles prêmios tão distantes, mas nenhum deles sequer chegava perto.

Mas meninos crescem, e foi durante esse processo de crescimento que eles se viram mais uma vez olhando para o mesmo prêmio. O mais novo não era mais baixo ou fraco que o mais velho, até porque a diferença de idade entre eles era uma questão de poucos meses, portanto era de se esperar que estivessem em pé de igualdade perante um objetivo comum, ou pelo menos era isso que o mais novo pensava.

Então, como os meninos que estavam deixando de ser, eles pularam, esticando seus braços para alcançar o mesmo sonho. Mas desta vez foi diferente, desta vez a ponta dos dedos do mais velho chegou a tocar na lata de biscoitos. Eles se entreolharam depois da tentativa e sorriram um para o outro, como sempre faziam. Mas por dentro, o garoto mais novo não estava rindo, estava com medo. Ele estava começando a descobrir que não era assim tão parecido com seu amigo afinal de contas, apesar de terem a mesma altura, o mais velho pulara mais alto, isso significava que ele tinha forças que o mais novo não tinha, tinha uma vantagem natural sobre ele.

Triste, o menino mais novo reconheceu que compartilhar sonhos iria começar a perder a graça, pois a medida que ficassem mais velhos a diferença entre as capacidades de um e de outro ficaria maior, e sua inabilidade em alcançar sonhos entraria em evidência. Era melhor procurar outros sonhos, era melhor tentar alcançar outras coisas, pois se olhasse para os mesmo objetivos que o mais velho, sairia perdendo para ele.

Pular mais alto se tornou uma das maiores preocupações do menino mais novo desde então. Se bem que hoje ele não é mais um menino... ou é?

sábado, 18 de agosto de 2012

Vento e Calmaria



Algumas vezes nos vemos nos agarrando em nossas crenças com força, como um marujo se agarra ao mastro do navio durante uma forte tempestade. Distorcemos a lógica formal e até ignoramos fatos que estão perante nossos olhos, tudo em prol da nossa crença naquilo que é certo. Durante essas tempestades em que a realidade e a crença batem de frente, nossa força é testada e nossa resistência é aumentada, depois disso vêm os períodos de calmaria onde vamos exercer nossa resiliência e refletir sobre nossas vidas.

E por muitas vezes a realidade bate com tanta força e durante tanto tempo que uma parte de nós começa a se sentir cansada de lutar. A exaustão moral toma conta de nós e começamos a considerar a possibilidade de desistir, de nos deixar levar pela tempestade apenas para relaxar os músculos tensos e doloridos de tanto fazer força. Alguns momentos simplesmente não nos mostram nenhuma possibilidade de melhora, nenhum sinal de que nossos valores nos são vantajosos e somos deixados á mercê do otimismo e da auto-motivação.

Mas existem alguns momentos em que nossas esperanças encontram respaldo na vida prática, alguns raros faróis brilhantes em meio á escuridão da tempestade. Eles vêm restaurar nossas forças e nos lembrar de que nenhuma chuva dura para sempre e que toda jornada é feita de períodos fáceis e difíceis. Estas luzes de esperança vem nos mais diversos formatos, são sinais que nos são dados de tantas maneiras diferentes que pode ser difícil percebê-los. Mas quando isso acontece....

Somos preenchidos com uma indescritível energia, os sentidos que antes estavam nos transmitindo dor e fadiga passam a perceber apenas uma satisfação e inspiração abstratas por se estar aguentando firme, o que antes era "como é difícil estar nesta tempestade" vira "como sou forte por aguentar essa tempestade". Não saímos do lugar, nada mudou na prática, mas nossa percepção da adversidade muda, e para isso basta uma frase de reconhecimento, um sinal, uma luz. Ela será o suficiente para meses de batalha terem valido a pena, ela terá reposto toa a energia que gastamos para sustentarmos nossa crença frente á uma realidade que a desafia. Pois somos assim, vemos o que queremos ver, ouvimos o que queremos ouvir, damos poder áquilo que queremos e nos entorpecemos para o resto.

E quando estamos usando essa habilidade para resistir á adversidades, somos virtualmente invencíveis.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Por que Game of Thrones é bom?



Existem duas maneiras pelas quais histórias podem prender nossa atenção ou serem interessantes.

A primeira é através do nosso senso ético: histórias em que o bem triunfa sobre o mal, em que o mocinho fica com a mocinha, em que o sacrifício do herói é reconhecido, emfim, histórias em que nossa noção do que é certo e o que é errado é satisfeita pelo enredo de alguma maneira. Muitas narrativas são construídas de maneira a fazer você torcer pelo elemento que representa justiça ou o bem, colocá-lo em conflitos, dificuldades e no final fazê-lo triunfar, mesmo que por sacrifício. Elas servem, no fundo, para te dizer de algum modo: "todos passamos dificuldades, mas no final o bem sempre vence."

Porém, temos que lembrar que nosso senso ético e a realidade nem sempre são coerentes. Você pode até acreditar que pessoas boas são recompensadas e pessoas más são castigadas, mas sabe que no mundo real nem sempre é assim. Você sabe, independente de seus códigos, que no mundo há injustiças, que as coisas nem sempre correm como planejado e que o destino das pessoas nem sempre está em total concordância com o seu valor. Pode até ser que você justifique as injustiças com filosofias de julgamento pós-morte, mas ainda sim estará admitindo que "como este mundo é inegavelmente injusto, a justiça ocorre num outro mundo que não este".

E é aí que vem a segunda maneira pela qual uma narrativa nos prende ou nos fascina: a verossimilhança.

As histórias em que o bem e o mal estão claramente definidos e entram em conflito direto e objetivo apelam para a nossa necessidade de ver justiça sendo feita, apelam para a empatia que construímos com os heróis com os quais nos identificamos e nos dão a sensação de que "nós vencemos", os valores nos quais acreditamos prevaleceram. Mas o mundo real não é assim, e as histórias verossímeis nos chamam a atenção exatamente por causa disso, porque desafiam a nossa noção de certo/errado nos colocando em luta contra a realidade.

Game of Thrones elevou a fantasia medieval á um outro nível não por causa da riqueza do mundo em si, muitos ainda atribuem á Tolkien a medalha de ouro no quesito "riqueza de cenário". George Martin conquistou seu lugar entre os melhores por causa da verossimilhança com a qual os personagens interagem com o mundo por ele criado. Não existe em nenhum momento da narrativa, o compromisso de satisfazer suas noções pessoais de justiça. É um mundo caótico, onde há brigas por poder, traições, mentiras e injustiças, assim como o nosso. Nenhum personagem é completamente bom, mau ou neutro, eles apenas seguem seus interesses e agem da maneira que a vida de cada um os ensinou a agir, exatamente como no mundo real.

Na verdade, por vezes é fácil esquecer que se está lendo fantasia quando se observa o mundo de George Martin, tão real e complexa é maneira com a qual os personagens reagem uns aos outros. Há uma tensão adicional no enredo quando você começa a perceber que tudo pode acontecer, que ninguém está protegido por moral, seja ela qual for. Um dos maiores pecados dos escritores e deixar sua moral pessoal impregnada no livro de maneira óbvia, por exemplo: um escritor que acredite que as pessoas deveriam ir para a igreja pode acabar fazendo com que todos os personagens de seu livro que vão para a igreja sejam afortunados com histórias e finais felizes, enquanto os que não vão sempre vão se dar mal. Quando o leitor percebe um padrão moral na narrativa, ela fica previsível, e se uma narrativa é previsível, perde-se parte do interesse, mesmo que o leitor concorde com a moral colocada no livro. O leitor que desvenda o padrão moral da narrativa prevê com facilidade o desfecho de qualquer personagem nela contida.

E nas Crônicas de Gelo e Fogo, há momentos em que podemos jurar que o autor quer passar a mensagem de que você deve ser um mentiroso maquiavélico e manipulador se quiser ser alguém na vida, mas como ele mesmo não poupa personagens com essas características, ficamos no escuro, tentando saber o que acontecerá em seguida, qual será o próximo passo. Ao invés de adotar um padrão moral, Martin parece colocar inúmeras morais diferentes em conflito, sem deixar nenhuma delas prevalecer durante tempo demais. E assim o autor brinca com nossos sentimentos, constrói e destrói esperanças e conceitos a medida que o livro avança, satisfaz nossa necessidade de justiça aqui, e a ignora ali, tudo para manter um nível perfeito de equilíbrio entre opostos: ordem e caos, esperança e desespero, "gelo e fogo".

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Metáfora XXII




Há dez meses ele fazia o castelo de cartas, o ângulo de cada carta milimetricamente calculado para proporcionar uma estrutura piramidal perfeita. Colocava um por carta por carta. Haviam dias que não colocava nenhuma, dias em que colocava duas, e até aqueles dias em que ele colocava quatro. A cada semana o tamanho do castelo aumentada. Haviam algumas vezes em que ele chegava ao topo, mas então simplesmente adicionava mais duas cartas á base no canto da pirâmide e começava a aumentá-la de tamanho. As cartas verdes em cima da mesa estavam bagunçadas, ele havia juntado todos os baralhos que tinha para montar aquele castelo em cima da mesa.

A porta á sua esquerda estava fechada, mas as janelas e a outra porta estavam abertas, como sempre. Nada fazia a mesa tremer, nada fazia ele perder a concentração. Os movimentos eram precisos e calculados, se uma carta fosse colocada no castelo de modo imperfeito, ele a retirava cuidadosamente e tentava mais uma vez, era por isso que haviam semanas que ele só acrescentava um andar á sua estrutura. Frieza vinha sendo sua especialidade nos últimos dez meses. Com a excessão de dois breves momentos em que o vento batera a porta da esquerda, o castelo de cartas não correra perigo.

Contanto, é claro, que a porta permanecesse fechada.

Um dia, foi chamado para ir ao jardim. Botou mais duas cartas na sua estrutura e se levantou. Se arrumou e ficou animado, fazia tempo que não ia ao jardim, fazia tempo que não via as flores, o sol e muitas outras coisas que o animavam há um ano. Abriu a porta da esquerda e saiu. Quando chegou ao seu destino cheirou as flores e muitas pessoas que frequentavam o jardim periodicamente o cumprimentaram, todas comentando o longo tempo que ele não aparecia lá. O rapaz ficou feliz, correu, pulou, brincou e riu como não ria há muito tempo. Havia se esquecido de como era bom brincar no jardim, havia se esquecido de como era prazeroso sentir o perfume das flores, a maciez do gramado e as risadas dos outros que lá estavam.

Mas sua felicidade durou pouco. Pois ele não ia ao jardim por um motivo, e esse motivo não mudara em dez meses, e muito provavelmente não mudaria tão cedo. Ele se esquecera de porque desistira de sentir aquele perfume, de ver o gramado e de ver as pessoas. Se esqueceu de porque ele se trancara em casa construindo o castelo de cartas, usando cartas tão verdes quanto o gramado que queria evitar. E esse esquecimento lhe custou caro...

- Você está bem?
- Sim! Olhe só este maravilhoso gramado! Olhe só isso tudo!
- Então tem certeza de que está bem?
- E por que não haveria de estar?
- Não sei, talvez por causa da Phoênix...

Congelando, ele para um lado... nada. Olhou para o outro... nada. Mas quando olhou para o céu á sua frente, lá estava ela, brilhando de maneira incandescente já voando em sua direção. Ele pôde sentir o calor das penas á distância, pôde ouvir o bater das asas que assombrava seus sonhos e então começou a se lembrar de porque abandonara o jardim. Não era pelo jardim em si, ele aprendera com o próprio pássaro de fogo a amar o jardim como ele amava outras coisas, mas esse era justamente o problema: o pássaro amava o jardim também, e sempre estaria lá.
Assim que a ave flamejante passou por ele, as chamas o queimaram. Ele quase foi jogado para trás com a força do vento. Olhou para os lados desesperado e correu para casa.

Foi então que viu a porta da esquerda aberta e seu castelo de cartas que passara dez meses construindo no chão. Nem uma única carta ficara de pé. Ainda sentindo a dor das queimaduras, ele fechou a porta atrás de si. Era por isso que ele desistira do jardim, era por isso que ele sabia que ia ter que aprender á amar praias, montanhas, colinas e parques. Era por isso que aquela porta não podia ser aberta. Agora tudo fazia sentido, ele se sentou na cadeira que sempre se sentava para montar o castelo, ainda tremendo de nervosismo e com os braços ardendo, e passou um tempo olhando para o nada.

Era como voltar dez meses no tempo, ele botava as ataduras e, com as mãos tremendo, trancava a porta da esquerda, recolhia as cartas bagunçadas e as organizava numa única pilha, tudo exatamente como á dez meses atrás. Assim que terminou de organizar as cartas verdes do imenso baralho, dividiu-o em cinco pilhas, pegou duas cartas, e colocou-as em cima da mesa, uma encostada na outra, formando uma pequena pirâmide, e começou tudo do zero, exatamente como há dez meses atrás.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sobre a "Friendzone"



Um conceito criado por homens para denominar uma situação onde a mulher com quem eles presumivelmente querem se relacionar não os vêem nem os tratam de maneira romântica/sexual, não os considerando assim, potenciais namorados/ficantes/etc... deixando-o numa zona com intimidade e proximidade de amigo, mas sem a conexão física de uma relacionamento passional.

Existe um tipo de receio por parte dos homens em acabarem caindo, ou serem deliberadamente colocados nessa zona, pois isso configuraria uma relação platônica onde ele não se vê com nenhum tipo de vantagem. Em alguns casos, a reação masculina chega a ser de raiva, achando que a friendzone é uma injustiça emocional cometida contra os solícitos e atenciosos homens que perdem lugar para aqueles que não se esforçaram tanto ou simplesmente não ligam tanto para os tão complicados sentimentos femininos.

Tudo isso parte do pressuposto, é claro, de que há o interesse passional/sexual por parte do homem ao iniciar a aproximação que leva ao "friendzoning". Caso não haja atração, não há expectativas de se criar qualquer tipo de relacionamento, e se não há expectativas, não há frustração em se perpetuar uma amizade sem nenhum tipo de conexão passional/sexual. E assim o caso está encerrado.

Mas caso haja esse interesse, existem algumas observações a serem feitas, como por exemplo:

1. Homens sem iniciativa estão fadados á friendzone.

Quando homem e mulher (solteiros) começam a se aproximar e passar mais tempo juntos e a criarem afinidades, eles costumam agir de maneira diferente para elevarem a relação á um próximo nível. A mulher geralmente dá sinais de sua disponibilidade através de comentários e certas atitudes que denotam uma espécie de "sinal verde" para o homem avançar. Logo, espera-se que o homem "avance".
Muitos homens que reclamam de terem sido jogados para escanteio só estão lá por uma questão de timing, poderiam ter conseguido namoradas, ficantes ou sexo caso tivessem dado um passo á frente na hora certa e aproveitado os momentos propícios ao flerte que inevitavelmente permeiam a relação homem-mulher. Homens que não conseguem lidar com a própria insegurança e medo de rejeição serão naturalmente ultrapassados pelos mais seguros, que não necessariamente vão precisar construir a mesma afinidade que os seus predecessores. O que os deixa indignados e com o senso de injustiça cometida por parte da mulher, mas eles se esquecem que...

2. Ser legal e ser atraente são duas coisas diferentes.

Solicitude, compreensão e simpatia são boas qualidades que realmente tornam qualquer relacionamento mais fácil. Mas elas não necessariamente tornam um homem atraente. Muitos deles acham que por estarem dispostos a fazer favores, ouvir e investir tempo e dinheiro em uma mulher irá fazê-los, automaticamente potenciais parceiros, apenas pelo fato de que eles se sentem merecedores dessa posição. Mulheres não são obrigadas a se sentirem atraídas por homens indulgentes ou compreensivos, tampouco tem que compensar simpatia com sexo ou atração física. Ser uma pessoa educada cria nos outros o compromisso social de serem igualmente educados, nada mais. Os fatores que fazem uma mulher se sentir atraída costumam estar em dissonância com toda a insegurança, medo e passividade de um sujeito que não tem coragem de tomar a iniciativa. Mas admito que existem homens que sabem disso e ainda sim foram colocados na friendzone, e alguns desses casos geralmente se dão porque...

3. Nem toda mulher sabe o que quer (e nem toda mulher presta)

Muitas das jornadas que terminam na friendzone são marcadas por conversas onde a mulher passa um tempo considerável enaltecendo as qualidades masculinas citadas no item anterior, muitas vezes comparando o homem com quem confidencia suas mágoas com seus ex-namorados/ficantes/etc... Criando nele uma sensação de que ele é simplesmente o cara perfeito para ela, e que a melhor coisa que ele tem a fazer é tentar levar a amizade á um próximo nível. Admito que todo o homem tem de estar ciente de que ser virtuoso e ser atraente são coisas distintas, mas não posso negar que muitas mulheres usam homens pacientes e solícitos como muletas temporárias que descartarão assim que não forem mais necessários para a manutenção do seu estado emocional. Algumas mulheres fazem isso sem perceber, apenas por medo de sair da zona de conforto onde recebem atenção sem precisar se comprometer, e isso é apenas um efeito colateral da imaturidade ou falta de autonomia emocional. Mas outras calculam o processo de friendzoning com precisão decimal, vêem o homem se apaixonando aos poucos e não dizem nem fazem nada para frear suas expectativas, mesmo sabendo que futuramente não serão correspondidas. Essas são as que não prestam, pois constroem seu ego em cima de frustração alheia. E mesmo que hajam mulheres assim o homem tem que saber, por antecipação, que...

4. Amizade entre homem e mulher não é pra qualquer um

Ainda existem os casos em que o homem cria intimidade com a sincera e honesta intenção de apenas fazer uma nova amiga. Mas com o passar do tempo as afinidades vão os aproximando e paixão brota, deixando-o numa situação complicada de ter que lidar com novos sentimentos de apego que geram ciúmes e saudades. Logo ele tem de tomar a difícil decisão de tentar uma abordagem e arriscar a qualidade da amizade (ou a própria existência da mesma) ou então engolir e suprimir seus sentimentos, tentando fazê-los morrer por inanição. Auto-conhecimento é uma peça chave nas relações humanas e se você é um homem que não consegue separar amizade de atração, tenha consciência dos riscos que o cultivo de uma amizade com mulher pode trazer. Muitos homens se esquecem que boas amigas e namoradas tem, invariavelmente, muitas qualidades em comum, o que exige uma mente madura e sensata para conhecer uma boa amiga e não vê-la como boa namorada.

Com exceção do número 1, tudo que foi citado aqui se aplica igualmente para os dois lados, pois existem casos de mulheres deixadas na friendzone também, amizade entre homens e mulheres solteiros estará sempre sujeita á esse tipo de peculiaridades. Ter uma amizade com uma pessoa e estar envolvido passionalmente/sexualmente com outra é relativamente fácil, mas todos os homens e mulheres deveriam estar plenamente cientes de que quando não é esse o caso, amizade entre pessoas do sexo oposto estará sempre sob a sombra de uma potencial tempestade de sentimentos que nem todos conseguem administrar. 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Sobre bancar a difícil




Primeiramente, digamos que uma mulher atribui a si mesma um valor X baseado no quão atraente, madura, interessante e talentosa ela acha que é. Essa mulher, diante de uma abordagem masculina vai, naturalmente, excluir qualquer candidato que seja avaliado como sendo menor que X. Isso é normal, se chama amor próprio, é um tipo orgulho saudável que previne que você se humilhe. Todos temos o direito de estabelecer nossas notas de corte quando o assunto é relacionamento, é uma questão inteiramente pessoal. Não é problema seu nem meu se uma mulher decidir que só quer pegar modelos, ou rockstars, ou caras que andam de Camaro amarelo (ou uma utópica combinação dos três). Ela tem o direito de ser o quão seletiva ela quiser, o quão difícil ela acha que tem o direito de ser.

Mas uma mulher difícil, e uma mulher que banca a difícil são coisas diferentes.

Existem mulheres que acham que a melhor maneira de se destacarem, de ganharem vantagem sobre as concorrentes, de chamarem atenção, é de bancar a difícil, se mostrar desinteressada e desapegada. Pensam que simular um estado de apatia e indiferença é a melhor maneira de se responder a uma abordagem masculina. Que os homens serão atraídos magneticamente por um poker face combinada com tiradas desnecessárias assim como um gato tenta pegar o laser na parede.

Ser difícil não torna uma mulher interessante. Ser engraçada, inteligente, talentosa e bem humorada torna uma mulher interessante. Nenhuma mulher ganha mérito por sentar lá e não fazer nada, nenhum homem se derrete por apatia e nariz empinado, e se o faz, ainda não é um homem. As mulheres devem se destacar pelas suas qualidades, suas virtudes, e não pela sua capacidade de bloquear com quem está tentando interagir com ela.

O inconsciente feminino está cheio de premissas estranhamente distorcidas sobre homens e algumas pensam que essa é a melhor maneira de se filtrar os pretendentes. Que, uma uma vez que elas bancarem a difícil, apenas os homens mais corajosos, extrovertidos e seguros irão lhes alcançar. Acham que se construírem paredes altas o suficiente em volta de si, apenas os mais fortes conseguirão escalá-la para chegar até ela.

Isto está errado porque bancar a difícil parece ser uma boa ideia partindo da premissa que os homens vão inferir que se você age como a última coca-cola do deserto, você deve ser a última coca-cola do deserto, logo vão te desejar. E se você não for, os homens corajosos, extrovertidos e seguros que ultrapassaram sua enorme camada de resistência vão encontrar uma pessoa comum, que não tinha motivos para ser tão seletiva e podem acabar se decepcionando com a propaganda enganosa.

A mulher que se dá o valor X, mas acha que tem se fazer de difícil para que os homens achem que ela é 2x está se supervalorizando da pior maneira possível, está declarando que não se acha tão boa assim, mas que quer homens corajosos, extrovertidos e seguros. Ora, que direito tem ela de exigir dos outros mais do que ela se acha capaz de dar?

Sou a favor do amor próprio e da nossa independência de decidir o que é melhor para nós. Mas colocar num produto uma etiqueta com um preço duas vezes mais caro que o normal só vai atrair os consumidores que acreditam que preço é sempre diretamente proporcional á qualidade do produto. Os consumidores inteligentes vão se perguntar: "por que eu pagaria tão caro por uma dessas?"

terça-feira, 17 de julho de 2012

Pandora



Houve um tempo tempestuoso marcado por agonia
Onde o limite entre dor e deleite, já não mais se distinguia
Enclausurado no olho gélido de um grande furacão
Peguei a caixa e senti o peso da minha última decisão

Abri sua tampa já sabendo as desventuras que estavam por vir
E chorei enquanto a observava sugar o mundo que construí
O mundo que antes aparentava tamanha beleza e constância
Agora era frágil e pálido, como um sonho bobo de infância

Desde então mantenho-a fechada, escondida em meus aposentos
Longe da minha vista, para não despertar meus lamentos
Pois ainda receio o retorno das alegrias e dores de outrora
Caso eu ouse abrir a caixa, a caixa preta de Pandora.

sábado, 14 de julho de 2012

Metáfora XXI



O limbo é como que um "prêmio de consolação" do catolicismo para aqueles que não são bons o suficiente para irem para o céu ou maus o suficiente para irem para o inferno. Uma espécie de escala que as almas tinham que fazer antes de adentrarem nos portões do céu. Em muitos escritos bíblicos o limbo é descrito como um lugar onde não há penas ou purificação a se realizar, é uma lugar em que se vive em plena felicidade natural sem, porém, ter a graça de Deus. Ou seja, sem a felicidade eterna e verdadeira que se aguarda no pós-morte.

Então resumindo, você vive feliz, mas não TÃO feliz quanto poderia. Você não sofre tanto quanto poderia estar sofrendo, mas em contrapartida, a felicidade suprema está reservada á aqueles que estão no andar de cima. Você está, para todos os efeitos, na média. É exatamente onde a maioria das pessoas se encontra, afinal esse é o conceito de média. Falta-lhe o essencial para desfrutar da felicidade verdadeira, o que você tem é apenas um tipo de paz estática, uma serenidade razoavelmente satisfatória.

E como o ser humano tende a olhar não para aquilo que tem, mas para aquilo que lhe falta, o limbo presumivelmente proporciona uma agonia muito grande a seus habitantes, por saberem que não estão lá nem cá. Estão felizes, sãos e em paz o suficiente para se dedicarem á pensamentos, filosofias e teorias acerca do quão boa a vida poderia ser, caso eles estivessem no paraíso. O tempo semeia infelicidades na mente ociosa, e logo o limbo é mais um castigo do que um lugar que se possa chamar de "felicidade eterna". Cheio de pessoas que, se tivessem feito um pouco mais, ou tivessem dado um pouco mais de sorte, estariam muito melhor do que estão agora. Um lugar cheio de pessoas que não estão exatamente completas, felizes e plenas. Mas estão ali tentando tapar aquele buraco com outras coisas, tentando ver se se distraem do fato de que elas não estão na terra prometida.

O único sofrimento no limbo é o psicológico, o da sua própria mente, pois afinal, em nenhum lugar das escrituras é dito que suas necessidades emocionais se anulam com a ida ao outro mundo. E deve ser realmente irritante não poder reclamar das dores do inferno e não poder usufruir das bençãos do paraíso. Deve ser chato ficar em um estado de torpor emocional, onde não há alegria verdadeira nem sofrimento verdadeiro, onde tudo o que você pode fazer é olhar para aquele vazio e tentar, inutilmente, esquecer que ele está ali.


sexta-feira, 29 de junho de 2012

O que é justo


Nosso ego molda, através da nossa necessidade de validação, uma noção muito distorcida de justiça. Por vezes lidamos com os outros e tentamos ser virtuosos, sábios e pacientes. Diversas vezes nos esforçamos em prol da manutenção de uma relação regida por regras já estabelecidas pelas nossas mentes limitadas, e enquanto suamos, vemos o descaso alheio com aquilo que tanto prezamos. Vemos algumas pessoas que simplesmente não vêem, ou se vêem não se importam com nosso esforço, pelo simples fato de verem e sentirem o mundo de um modo diferente.

E aí, nosso ego diz:

Ora, isso é um ultraje! Como os outros ousam não pensar em nós? Como eles se atrevem a dar menos valor do que nós á algo que, na nossa visão individual, é de suma importância? Na verdade, como eles tem coragem de simplesmente PENSAR DIFERENTE?
Não, isso não pode ser. Somos mártires! Aguentamos até o limite de nossa paciência, nos doamos sem em nenhum momento pensarmos em nós mesmos, certo? Como pode alguém não reconhecer nossa abnegação? Como é possível que todos não estejam em perfeita sintonia com a nossa necessidade de sermos reconhecidos por favores que ninguém nos pediu para fazer? Temos todo o direito de exigir que justiça seja feita, pois nós somos a vítima nessa situação.

A sensação de injustiça corrói de dentro para fora, nos deixando sem entender como aquelas pessoas que desrespeitam nossas necessidades emocionais ficam impunes. Chegamos ao ponto de desejar mal àquelas pessoas que nos frustraram só para satisfazer a nossa doentia noção de justiça, ou melhor a do nosso ego. E quando esse mal chega a acontecer, algumas vezes chegamos ao ponto de regojizar a desgraça alheia, sendo invadidos por um tipo bizarro de felicidade que parece dizer: "Pronto, agora que você sofreu também, estamos quites."

O ser humano já tem uma tendência natural á achar que o próprio sofrimento é maior do que o dos outros, somos biologicamente deficientes quando o assunto é mensurar sofrimento, sempre achamos que o nosso é maior, mais grave e, portanto, merece mais atenção e nos dá uma desculpa natural á agir como vítimas e alimentar ódio pelos supostos causadores dos nossos infortúnios. Nos vemos algumas vezes como heróis por aguentar tamanho sofrimento, e como esforço não se mede, se percebe, a frustração de ver alguém simplesmente dar ás nossas necessidades menos atenção do que achamos que elas merecem é muitas vezes o motivador da nossa amargura.

Todos sofremos, mas como como somos melhores advogados do que juízes, acusamos os outros e defendemos á nós mesmos com tudo que temos para garantir que as nossas dores sejam sempre compreendidas, nossas necessidades sejam sempre atendidas e nossos valores sejam sempre respeitados, e mesmo pensando dessa maneira mesquinha,  alguns de nós ainda acham que as pessoas deveriam estar gratas pois eles já estão sendo muuuuito pacientes e sensatos de não estourar de vez e atingir o fundo do poço do egocentrismo que é tentar, de algum modo, fazer justiça com as próprias mãos.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Mecanismos



Existem pessoas que pensam que querem amor incondicional, ou que querem amar incondicionalmente. Eu entendo que visamos a abundância daquilo que é bom, e isso nos faz pensar que o amor, em seu caráter instável e sempre ligado á emoções, atingiria um estado de perfeição caso fosse incondicional e absoluto. Tal visão não poderia ser mais equivocada.

A definição de incondicional é aquilo que independe de condições, é irrestrito e inalterado por influências estranhas a si mesmo. Fora, talvez, o amor dos pais pelo seus filhos, não existe em nenhum outro tipo de relação interpessoal, um sentimento que se aproxime deste grau de independência, e se existisse, este certamente não seria o amor (romântico/passional).

Em primeiro lugar, as condições sob as quais o amor se regula estão profundamente programadas em nosso ego. Existe gente (geralmente inexperiente) que pensa que o amante ideal é altruísta por natureza, e ignora o princípio de reciprocidade que todos exigimos para estabelecer uma relação. Se alguém te ama independente do que você faz a essa pessoa, a comodidade e o conformismo irão dominar suas reações gradativamente, porque temos uma tendência natural a desvalorizar tudo aquilo que está presente em abundância em nossas vidas. Logo, não somos psicologicamente aptos a sermos amados incondicionalmente, nunca seríamos capazes de responder incondicionalidade enquanto nosso ego ainda estivesse intervindo no nosso meio de pensar, tampouco nos sentiríamos estimulados á retribuir, sabendo que nossas ações seriam totalmente irrelevantes para a outra pessoa (visto que ela ama incondicionalmente).

Em segundo lugar, o amante altruísta não tem suas necessidades correspondidas, não lhe restando motivos para suas abnegações. A doação altruísta tem prazo de validade, pois não há nenhum motivador para as mesmas, restando apenas a tolerância, orgulho e amor próprio para ditar quando o doador cassará suas demonstrações. Logo, tampouco somos psicologicamente aptos a amar incondicionalmente, nunca suportaríamos a diferença entre aquilo que daríamos e o pouco que que receberíamos, a sensação de injustiça logo atingiria níveis intoleráveis para a continuidade do relacionamento.

A incondicionalidade não cabe no amor romântico/passional simplesmente por que o principal combustível deste é justamente a diferença entre a imposição de condições para se amar. As concessões são um mero regulador, um amortecedor dos impactos emocionais inerentes á toda relação passional, mas a força que move os amantes não é a segurança da posse, esta pode até oferecer conforto, mas nunca será um motivador tão grande quanto o medo da perda. Se nossa posse é condicional, somos impelidos pelo apego á atender as condições exigidas, e a recíproca tem de ser verdadeira. Assim se dá a base do amor romântico/passional, a doação é uma ilusão, uma camada exterior de boa vontade que é tão superficial quanto a maturidade, tolerância e flexibilidade da pessoa. Só há troca, e esta pode não ser igualitária ou justa, mas sempre será intrinsecamente uma troca.

Apenas a partir desse quadro podem-se aplicar compreensão e concessão que, como já citado anteriormente, são reguladores essenciais da estabilidade da relação. Mas não se engane, as pessoas não querem amor incondicional, isso as deixaria entediadas, tampouco querem amar incondicionalmente, isto as esgotaria rapidamente, o que todos querem é amar...

...e serem amados de volta.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Vai-e-vai



Dor me fez partir, desconforto me diz pra voltar.
Há lágrimas por vir e há sonhos por confessar.
Nada de indiferença, ou imparcialidade.
Não há lugar pra mentira no sofrimento de verdade.

Com asas imensas nas costas, sem vontade de voar.
Pois voo solo e caminhada estão no mesmo patamar.
Pergunto-me o que essa liberdade me possibilita fazer,
Se a concessão espontânea faz parte do meu ser.

Sem saber ao certo se é bênção ou maldição
a bizarra necessidade da abnegação,
Me volto para o passado e chego á conclusão
Que por vezes foi o orgulho que me fez dizer um "não".

Orgulho me fez partir, humildade me diz pra voltar
Mas é fácil ser humilde sem recursos pra ostentar.
Pois se bem me lembro, me disseram certa vez
Que nunca me foi pedido, metade daquilo que dei.

Hipersensibilidade


Carência é um estado emocional que altera as dimensões dos estímulos emocionais que nos movem. Ela distorce de uma maneira superlativa a maneira como percebemos sentimentos, tantos nosso, quanto alheios. Talvez a principal característica dessa distorção seja o aumento da nossa sensibilidade á simpatia alheia. A escassez de carinho, afeto e contato emocional com outras pessoas parece maximizar a nossa predisposição para perceber os mesmos.

É como a fome que aguça o olfato e o paladar, fazendo com que a mera visão do alimento ou seu cheiro nos deixe com água na boca, você pode até estar perfeitamente ciente da qualidade do prato, mas não consegue evitar desejá-lo.

Por um lado, a hipersensibilidade é um estado que nos dá a oportunidade de dar um pouco mais de valor para os recursos que desprezamos quando temos em abundância, e desprezar o abundante é bastante comum do ser humano, muitos filósofos antigos já sabiam que nós temos uma tendência a valorizar aquilo que nos falta.

Mas por outro lado, responder ao menor estímulo gera um risco de auto-sabotagem muito grande, pois aumenta as chances de uma reação exagerada á um estimulo simples. O mais comum engano do carente é achar que toda a oferta é vantajosa, que todo o produto é de boa qualidade, que todas as pessoas são virtuosas. Se a fome é o melhor tempero para comida a carência é a melhor lente para se olhar pessoas e situações. E sabe-se que a receita básica do sofrimento é a frustração de expectativas.

Mas esses são meros acidentes de percurso, o hipersensível vai ter que tomar cuidado também com os manipuladores emocionais que encontramos no caminho. Pois é de conhecimento geral que os golpes, chantagens e traições encontram muito mais respaldo naqueles que estão frágeis, inseguros e desesperados. Afinal, como passar um vírus de computador para uma pessoa que não o usa? Como vender um lote irregular para uma pessoa que já tem casa própria?
Não, a coerção emocional não acontece com os prósperos, a extorsão e a chantagem não afetam aqueles que não precisam negociar, é na hipersensibilidade daquele que não tem o que quer que se aplica o golpe.

Manteremos nossos olhos abertos o suficiente para esses momentos? Estaremos realmente preparados para  escapar das nossas próprias armadilhas? Ou será que quando nos damos conta, a hipersensibilidade ja´está agindo, e nos fazendo dar extrema importância para algo que, na verdade...

...nunca foi tão importante?

terça-feira, 8 de maio de 2012

A vítima



Na eterna manutenção das nossas relações interpessoais, há momentos de turbulência e momentos de calmaria. A vida é uma sucessão heterogênea de humores, amores e desamores. Nos momentos difíceis, dizem-nos que devemos ser resilientes, que devemos ser fortes e persistentes para carregar o fardo de ser um ser humano suscetível á oscilações emocionais. Mas nosso ego está sempre lá, complicando o simples, acrescentando necessidades contra-intuitivas ás nossas carências. E é exatamente na hora da fraqueza que o ego acaba fazendo você passar de um lutador sobrevivente, para vítima.

O papel de vítima é infinitamente mais confortável, pois a vítima não carrega responsabilidade sobre seu infortúnio. Ela não é a culpada pelas desventuras consigo ocorridas e por isso tem apenas receber as condolências alheias enquanto chora no ombro de alguém que lhe sussurra ao ouvido que tudo vai acabar bem. Pois nosso ego diminui a nossa capacidade de nos auto-motivar, de nos auto-medicar emocionalmente. Ele transfere o poder de nossa recuperação para terceiros, quase que obrigando-os a prestar sua incondicional solidariedade ao nosso sofrimento que, diga-se de passagem, é muitas vezes causado por nós mesmos.

É como se repetíssemos; "Não é o suficiente eu tentar me animar. ALGUÉM tem que tentar me animar, mesmo que eu não esteja disposto a ser animado."

É natural passar por fazes de privação e escassez emocional que disparem esse tipo de dispositivo dentro de nós. Este é o momento em que as pessoas elegem os encarregados pela sua auto-imagem, auto-estima e amor-próprio e grudam neles até que a tempestade passe. Ninguém tem culpa desse fenômeno ser prejudicial, tanto para quem pede por ajuda quanto para quem a concede. Somos seres humanos e, como humanos, estamos sujeitos ás distorções que nosso ego causa em nossas vidas. Mas o grito da vítima é talvez a maior denúncia de nossas verdadeiras fraquezas, de nossas inabilidade em aplicar auto-motivação para sair de situações difíceis e principalmente, a prova irrefutável de que somos todos animais sociais, inevitavelmente dependentes da qualidade que as nossas relações com os outros possuem.

Mas se o grito demonstra força ou fraqueza... se a súplica pela cooperação na manutenção de nosso ânimo é um sinal de aceitação ou de negação... se a necessidade de ver nossas qualidade enaltecidas e nossos defeitos maquiados para melhor suportar momentos de crise é algo de se ter vergonha ou orgulho...

...isso me parece ser uma questão inteiramente individual.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Maquiagem e mentiras



A mentira está para os homens assim como a maquiagem está para as mulheres, disfarça imperfeições que estão ali mas ninguém quer ver, algumas vezes são perceptíveis, mas o contrato social que fazemos uns com os outros nos diz que devemos deixar essas coisas para lá e aceitar os pequenos corretivos que as pessoas aplicam em si mesmas para serem melhor aceitas na sociedade.

Todos nós, no fundo, sabemos que aquelas capas de revista não são exatamente daquele jeito, que aquelas grandes estrelas de hollywood não acordam com base, sombra, delineador e escovinha. Quem entende pelo menos um pouco do universo feminino sabe que existe muito tempo e dinheiro envolvido na criação de uma imagem social aceitável da mulher. Assim como sabemos que nenhum homem é tão seguro, poderoso, fiel, honrado e carismático quanto aparenta ser. É difícil passar a imagem do seguro, bem-relacionado e inteligente caçador que hoje é referência masculina.Todos eles tem suas inseguranças, defeitos e fraquezas que fazem deles homens comuns.

Mas não queremos homens comuns, não queremos mulheres comuns. O mundo é movido pela diferença, pela competição pelo posto de mais rico, mais famoso, mas bem-sucedido, mais bonito... Precisamos dos nossos artifícios para essa competição assim como um esportista precisa de seus equipamentos para praticar esporte. O mundo pede isso de nós e quem não der, simplesmente não se encaixa no jogo e é deixado de fora. Maquiagem e mentiras encontram suas fraquezas nos mesmos lugares, na sua natureza dissimulada, que teima em nos fazer pensar que as imperfeições podem ser corrigidas de fora para dentro. Não importa quantas mentiras o homem conte, nem quanta maquiagem uma mulher use, seu verdadeiro eu ainda está lá embaixo, escondido dos olhos dos maus observadores, invisíveis para aqueles que só vêem o exterior.

Eu achava que era uma ironia o fato das ferramentas mais usadas pelo nosso ego para regular nossas relações interpessoais fossem justamente as mais nocivas para se construir um relacionamento. Mas então em me lembrei que ironia significa "o contrário daquilo que se espera" foi aí eu me toquei que isso não é nem um pouco irônico. É triste.

sábado, 28 de abril de 2012

Metáfora XX


Você é uma pessoa feliz, não tem problemas muito graves de saúde ou dinheiro e está posicionado entre a classe média e aclasse média alta da sociedade onde vive. E assim como qualquer outra pessoa, você gosta daquilo que o dinheiro pode proporcionar. Isso faz com que você de vez em quando pense o quanto seria prazeroso ter um carro de luxo, ou uma mansão bem localizada e roupas finas de grife. Você tem seus métodos de ganhar dinheiro, mas eles são de longuíssimo prazo e envolvem um número de etapas tão grandes para se realizar que algumas vezes você quer simplesmente tomar um atalho.
Então você decide jogar na loteria. As chances são pequenas, você sabe que pode perder um pouco de dinheiro, mas o investimento monetário não é o problema para você. Contanto que você não aumente demais suas expectativas e mantenha bem claro em sua mente que aposta é aposta, está tudo bem, você está plenamente protegido dos impactos emocionais que o fracasso na sua tentativa de ficar rico poderia te causar.
Você vai até a lotérica já pensando no que você faria se tivesse tanto dinheiro, quais as primeiras coisas que você compraria, lugares que visitaria e festas que daria em comemoração ao seu novo estilo de vida. É bom sonhar com essas coisas, é bom imaginar uma vida melhor, afinal, nossos sonhos são uma das poucas coisas pelas quais não precisamos pagar para ter.
É possível que você até converse com um amigo sobre suas conjecturas acerca da sua provável fortuna, e ele compartilhe da sua empolgação, mas no fundo você sabe que sua aposta é apenas uma entre milhões, e você não tem mais chances de ganhar do que qualquer outra pessoa. Caso você ganhe, ótimo. Caso não, a vida segue em frente, ou será que você já conheceu alguém que entrou em depressão por não ganhar na loteria?

quarta-feira, 28 de março de 2012

A fé das pessoas



Fé, por definição, é a convicção sem embasamento. É a crença que não encontra respaldo em fatos, mas sim em sentimentos que, por diversos motivos, causam a profunda necessidade de acreditar. Tão profunda que ela ignora completamente qualquer fator que a refute.

A fé é muito comumente associada com religião, mas as pessoas acreditam em muitas outras coisas sem motivo. Seja por herança cultural ou simplesmente por falta de informação, sabedoria e crença tem seu espaço dentro de todos nós. E existe um motivo para isso.

Temos todos o mesmo impulso inconsciente que nos faz perseguir a felicidade e o bem-estar, e a realidade muitas vezes parece trabalhar contra nós nessa busca, e em momentos de sofrimento e dificuldade, quando todos os fatos estão lhe dizendo "A" mas você quer escutar "B", é nessa hora que a força da fé entra em ação. Ela vem preencher a lacuna deixada pelas nossas decepções com uma eficiência incomparável. Aquilo em que acreditamos (ou queremos acreditar) pode estar em total discordância com a realidade na qual nos encontramos, mas parece que a fé age como uma força invisível que lhe puxa na direção de um objeto que não está lá. Ela é a pura manifestação da sua desesperada vontade de se sentir bem.

E essa força muitas vezes faz você andar num momento em que você está parado. E esse é um dos principais argumentos dos defensores da fé. Que ela é a inegável "muleta universal", em que todos nós vamos inevitavelmente nos apoiar mais cedo ou mais tarde para passar por momentos difíceis. A fé seria como aquele último recurso que nós sempre usaríamos nas horas em que víssemos uma realidade dura demais para ser enfrentada de mãos vazias.

Você com certeza tem crenças, sua criação e experiência com certeza deixou em você marcas que hoje moldam seus sonhos e medos. Existe uma maneira que você acredita que as pessoas deveriam agir, como relacionamentos deveriam ser e como a vida deveria ser vivida. Essas crenças fazem você se decepcionar e se surpreender com as pessoas, fazem você aceitar e desistir de empregos, fazem você preferir companhias de um grupo A em detrimento do grupo B.

Mas acreditar não é fazer. Diversas pessoas usam a crença como válvula de escape em momentos de crise, ou para fazer propaganda de suas virtudes, e certas vezes até para repreender aqueles que não estão de acordo com elas, mas na hora de agir a hipocrisia revela sua face e a pessoa se contradiz. Acredita em A, mas faz B. E isso nos leva á uma outra questão: "no que você acredita?"

A discrepância entre os valores nos quais você deposita sua fé e suas atitudes são um indicador perfeito do quão bom você é como pessoa. Existem jovens que acreditam num conceito lindo e perfeito de amor romântico e eterno, mas suas atitudes mostram que não são capazes de conduzir um relacionamento saudável. Pessoas que tem noções de honra e ética que parecem inexpurgáveis, mas tem ego e falhas como todas as outras. A força da fé é poderosa, e pode fazer você ficar cego para sua própria hipocrisia, e fazer você ignorar os momentos em que viola suas próprias leis por possuir imperfeições que muitas vezes você repudia nos outros. E já sabemos que quando o assunto é fé, não há discussão, não há razão, não ha argumentos. Não existe maneira de executar auto sabotagem com maior maestria do que através de crença mal-aplicada. É errar, acreditando que se está acertando, destruir, sob a convicção de que se está construindo.

Por essa e por outras razões. Muito cuidado com aquilo em que você acredita, muitas pessoas na história da humanidade cometeram atos terríveis movidos por convicções brilhantes.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Cães e pessoas


Não é muito raro ver imagens de animais fofos em redes sociais com pequenas frases como "Seu cão te ama como ninguém" ou "Tenha paciência, tudo que eu tenho é você." e outras campanhas apelativas que fazem questão de destacar o quão incondicional é o amor que seu animal de estimação sente por você, exaltando o altruísmo irracional deles como se animais fossem melhores em demonstrar apego e carinho do que pessoas e consequentemente, melhores merecedores dos mesmos.

Eu discordo.

Cães, assim como muitos outros animais, são biologicamente programados para á submissão á figura de líder, some isso á mente irracional canina e você tem a receita perfeita para a lealdade incondicional. É claro que o cão te respeita, na cabeça dele, se ele não o fizer existe a chance de você simplesmente rasgar a goela dele com suas próprias mãos, a mãe natureza trabalhou a mente de muitos animais dessa maneira: "repeite o líder, se não você está perdido." Existem casos, principalmente entre cachorros pequenos, em que quando o dono chega em casa, ele urina de puro medo. A figura de uma criatura dez vezes maior que ele que pode pegá-lo com as mãos e arremessá-lo como se fosse um boneco é tão imponente quanto assustadora, é normal que a seleção natural tenha favorecido um dispositivo que aumentasse a obediência e submissão nesse caso.

Vejo amantes de animais falando como se cachorros abandonados fossem mais dignos de piedade do que crianças abandonadas, e pessoas vendo humanos morrerem em filmes sem nem piscar mas se encharcando em lágrimas quando um cãozinho quebra a pata, alegando, muitas vezes que pessoas são corruptas, mesquinhas e egoístas. Ao contrário dos nossos amiguinhos caninos que nasceram para nos fazer felizes e não pensam em outra coisa senão alegrar nosso dia. Pensar assim é um equívoco, e dos grandes.

Cães não tem noção de ego ou orgulho porque atingiram um tipo de nirvana espiritual ou porque superaram essas banalidades humanas como guardar rancor ou pensar em si mesmo, não! Cães não tem essas coisas simplesmente porque são burros demais para ter pensamentos tão complexos, simples assim. Eles não são egoístas e rancorosos assim como baratas, águas-vivas e qualquer outro animal que divide este planeta conosco! Qualquer animal irracional é potencialmente mais altruísta que o ser humano, da mesma maneira que qualquer animal irracional também é potencialmente mais violento e propenso a seguir a maior lei da natureza, a lei do mais forte.

Afinal você já deve ter visto cachorros quase se matando só porque um chegou perto da comida do outro, o que não me parece um bom motivo para criaturas tããããão boazinhas e altruístas brigarem, certo? Isso para não mencionar os tristes casos em que nossos amiguinhos de quatro patas matam brutalmente crianças por puro instinto. Mas quando isso acontece, os amantes dos cãezinhos pões a culpa no dono, e dizem: ora não é culpa dele, é o instinto!"
EXATAMENTE! O cão é tão responsável pelo instinto violento quanto pelo instinto de submissão, não tem controle sobre nem um nem outro.

Eu não tenho nada contra cães, acho eles engraçados e divertidos. Mas não são melhores do que nós só por não terem desenvolvido cérebros grandes o suficiente para terem nossos defeitos. O ser humano é capaz de demonstrações de cooperação, sacrifícios e altruísmo de uma maneira muito mais sofisticada que qualquer outro animal na terra e as pessoas parecem não lembrar disso. Falar que cães são melhores do que pessoas, para mim soa como: "essa criatura tem um cérebro pequeno demais para agir que nem um otário, logo ela é melhor que nós."

segunda-feira, 5 de março de 2012

How I Met Your Mother e o romantismo


Se nunca ouviu falar da série, clique aqui. E não deixe de assistir, pois é muito boa.

Talvez a jogada mais genial de How I Met Your Mother esteja justamente no título. O espectador sabe que Ted encontrará sua cara-metade eventualmente. Portanto, todas as adversidades enfrentadas por ele são justificadas antes mesmo de acontecerem, todo o sofrimento pelo qual ele passará está lá como uma escada rumo á felicidade, e é exatamente esse tipo de pensamento que as pessoas gostam de ter: que toda dor tem uma razão, que nada acontece por acaso, que as decepções nos tornam mais fortes.

Ted é o romântico incurável, um tipo de raça em extinção de homem culto, criativo e divertido. Sua fé inabalável em construir um relacionamento é o que move a grande maioria dos homens até o fim da adolescência. A esperança cega de Ted é como um farol em meio a uma tempestade de conflitos que se desenrolam um atrás do outro na série, reforçando o mito do amor eterno de uma maneira mais moderna e subjetiva. Toda a série é recheada de momentos em que Ted peca pelo excesso, seja de carinho, atenção, cuidado ou expectativa. Mas ele nunca parece pecar pela falta, é como se o protagonista tivesse uma fonte inesgotável de amor para dar, motivado pelo mito do amor romântico. Os momentos de frustração e desistência, ou os momentos em que ele se desvia de seus códigos morais são tão raros quanto curtos, Ted, apesar de ter falhas como ser humano, parece ter sido o personagem feito para casar.

Ao contrário da série Friends, que gira em torno da amizade e relacionamentos ocasionalmente apimentam o desenrolar da série, How I Met Your Mother tem a amizade como um mero plano de fundo, focando nos relacionamentos de Ted como principal tema da maioria dos episódios. Por mais que Ted seja muito feliz com seus amigos, por mais que eles sejam muito próximos e felizes, o roteiro deixa implícito que Ted está incompleto, e apenas o fim da sua jornada em busca do amor da sua vida irá lhe trazer a satisfação que ele precisa. Jornada essa que apenas ele faz na série.

Ou seja, amigos são importantes. Mas você só vai estar completo mesmo quando casar. É difícil uma novela, filme ou série que aborde relacionamentos não passar essa mensagem hoje em dia. Mas How I Met Your Mother o faz com tamanha maestria que muitos acham que é uma série sobre as aventuras românticas de um homem antes de ele se amarrar a uma esposa. Na verdade, praticamente todas as vezes que Ted se relacionam com alguém ele a trata como uma futura esposa e deixa claras as suas expectativas acerca disso. É como se ele estivesse jogando na loteria "não foi dessa vez mas pode ser na próxima...". Em momento algum Ted se vangloria do número de mulheres com quem se envolveu, muito pelo contrário, ele ocasionalmente se mostra frustrado por ainda não ter encontrado a mulher da sua vida. Ao contrário de Two And a Half Men, que exalta a liberdade, masculinidade e virilidade masculinas, How I Met Your Mother sempre coloca a falta de compromisso e a vida de solteiro como coisas vazias e sem cor.

Marshall e Lilly são o casal que representam tudo que Ted mais quer, o objetivo do romântico: um longo e estável relacionamento com uma mulher companheira e fiel. Porém, os
personagens que passam a maior parte da série solteiros sempre parecem estar tentando preencher um vazio emocional com outras coisas. Robin tem medo de se aproximar demais das pessoas e se foca na carreira. Barney se envolve descompromissadamente com várias mulheres como válvula de escape para sua necessidade de validação. É como se os solteiros da série fossem infelizes tentando mascarar sua infelicidade com dispositivos de defesa que nem mesmo eles reconhecem.
Ted é como um centro gravitacional na série que emana romantismo em todas as direções, afetando seus amigos. Não só ele é uma peça se extrema importância no relacionamento de Marshall e Lilly, por sempre os apoiar, como também parece ao longo da série, conseguir "despertar" o lado romântico de Robin e Barney, antes pobres perdidos sem rumo em suas vidas emocionais.

Apesar de ser classificada como uma série de comédia, How I Met Your Mother é praticamente um romance. Ela é o mito do amor romântico em todos os níveis, com Ted Mosby representando o herói que certamente vencerá no final. A esperança dele em sua busca é tudo aquilo que os clichês romântico sempre repetiram e continuarão a repetir: que todo seu sofrimento derá recompensado porque em algum lugar tem alguém procurando por você.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Legislação


As lições que a vida nos ensinam muitas vezes ficam gravadas em nós em forma de medos ou intuições que muitas vezes não nos damos o trabalho de entender. Porém, existem pessoas que analisam o porquê de suas alegrias e sofrimentos e transformam o abstrato em concreto. Essas pessoas geralmente formulam leis e códigos morais acerca de como a vida deve ser vivida, para manter um melhor controle sobre a própria felicidade.

Á princípio, esse processo de legislação parece inofensivo, sensato e maduro. Mas uma coisa que o legislador algumas vezes se esquece é que ninguém está acima da lei, nem mesmo aquele que a cria. E a hipocrisia nasce exatamente assim, quando começamos a quebrar as regras que nós mesmos criamos.

A verdade é que se observarmos a sociedade hoje, veremos que leis impedem que muitas coisas ruins aconteçam, mas não necessariamente estimulam as coisas boas. Por exemplo, os pardais de trânsito diminuem o número de acidentes nos locais onde estão instalados, mas de maneira alguma eles estimulam você a ser um motorista consciente, se o fizessem, as pessoas não desacelerariam o carro apenas para evitar a multa. Leis criam o medo da punição por fazer o mal, mas na vida é preciso mais que isso, é preciso estar motivado a fazer o bem.

Muitas pessoas acham que legislar sobre suas vidas sociais e emocionais é a chave para seus problemas. Que se eles forem rígidos com seus códigos, crenças e moral, tudo sempre vai acabar bem e eles sempre estarão caminhando rumo a felicidade. Afinal, tudo aquilo que parece ser destrutivo está proibido por lei.

Mas já falei em outro post que inflexibilidade não costuma ser a melhor opção para se viver uma vida feliz. E haverão momentos em que outras pessoas irão se chocar contra as normas que o legislador criou. A vida é cheia de situações diferentes, de pessoas diferentes com idéias diferentes e mais cedo ou mais tarde, vai haver um momento em que uma lei vai atuar contra o próprio legislador, proibindo-o de se mover em direção á sua felicidade.

Ainda que ele se mantenha fiel á seus princípios, os outros á sua volta não são obrigados a fazer o mesmo. As pessoas só toleram as limitações que elas impões a elas mesmas, não se darão o trabalho de seguir leis das quais não participaram da criação. Por isso, muitas vezes a solidão é um beco sem saída para os legisladores.

Cuidado com a ilusão do poder legislativo, ele pode acabar trabalhando contra você.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Metáfora?

Sempre gostei muito de vermelho. Desde que eu era pequeno e me perguntavam qual era minha cor favorita, a resposta vinha rápida e fácil em minha mente. Nunca soube exatamente como eu chegara a tal conclusão, mas sei que a minha preferencia de cor parecia algo que nunca mudaria.

Porém, apesar da minha paixão pela cor quente, ela nunca pareceu desempenhar um papel muito importante na minha vida. Não foi uma cor muito presente, levando em consideração que era a favorita. A cor mais marcante acabou se mostrando mais tarde, e qual não foi a minha surpresa quando eu descobri que era o verde.

Primeiro foi um vestido verde e uma gravata verde combinando num aniversário, depois foram olhos verdes refletindo a luz dos meus em momentos de felicidade, e depois foi uma casa verde que eu torceria o pescoço dia após dia para olhar na minha caminhada. O verde sempre estava lá, de uma maneira ou de outra colorindo o plano de fundo das experiências que mais importavam pra mim.

Fui descobrindo que tinha todos os motivos para gostar de verde e até acho que sempre tive essa preferência mas nunca percebi. Houveram tempos em que a vida estava em preto e branco e vermelho era primeira cor na qual eu pensava para colori-la, mas isso foi antes de todo aquele verde colorir minha vida de uma maneira inesperada.

E hoje continuo amando muito o vermelho, mas sei que verde é uma cor que já não pode faltar na minha tela.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Oath of Allegiance


Throughout a life of love and pain
Some of my dreams would fade
But it was under the misfortunes
That new values would be made
Foolish fears were torn apart
By the cold war inside me
Its dread showed me exactly
What I've always needed to see

That the most terrifying moments
That I had been through
Were born from the denial
Of what I already knew
The greatest disappointments
That had fallen upon my life
Had their origins within
A very old emotional strife

There had always been two ways
For me to find delight
But little did I know
That one of them wasnt't right
Experience showed me how
To make use of all its lore
And I knew the type of allegiance
That could finally end this war

In order to gather strength
I would have to honor a code
Faith and love would, hand in hand,
Guide me along the road
And so I had found my purpose
A new set of values was born
And that was the day in which
The oath of allegiance was sworn

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sofrimento


Para morrer, basta estar vivo. E para sofrer, também. Na maioria das vezes a dor é inevitável, mas existem muitas coisas que podem mudar a intensidade com a qual a sentimos.
Usamos, sem perceber, diversos dispositivos para amortecer o impacto que a dor tem sobre nós, quando a verdade é dura demais, ou quando a realidade é triste demais, usamos nossas próprias drogas para entorpecer nossos corações enquanto esperamos o desconforto passar.

Apontamos para qualquer coisa que pareça ter contribuído para nosso estado de tristeza e colocamos nela uma parcela da culpa, para aliviar o fardo de ser responsável pela nossa própria felicidade. Repetimos para nós mesmos o quão bons e fortes nós somos e até tentamos transformar tragédia em comédia, conversando com amigos e mentindo para nós mesmos, dizendo que não é tão mal assim. Todos os animais foram programados para minimizar sofrimento e maximizar prazer, nós, como criaturas racionais, apenas temos métodos mais sofisticados de fazê-lo.

Mas por traz das piadas, da cara de paisagem e de toda a simulada raiva e desprezo que tentamos nutrir pelos causadores dos nossos infortúnios, se esconde o pesar que, mais cedo ou mais tarde, teremos que enfrentar. Por mais que estejamos cercados de amigos e envolvidos em milhares de atividades, eventualmente teremos que nos confrontar com a dor sozinhos, sem o auxílio de nada nem ninguém. Teremos que aceitar que nossas imperfeições contribuem para nossas infelicidades, que nossas escolhas são responsabilidade nossa e que mesmo que estejamos cercados de pessoas e situações que não atendem nossas expectativas, temos que ser pacientes, compreensivos e maduros, para sempre tentar demonstrar força, que não consiste em não sentir dor, mas sim suportá-la.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Controle


Nosso ego parece estar algumas vezes trabalhando contra nossa felicidade e bem-estar, sabotando a simplicidade da vida com suas necessidades contra-intuitivas. Uma das maneiras mais frequentes desse tipo de sabotagem acontecer é quando seu ego transfere, através da sua necessidade de validação, poder para as mãos alheias.

Muitos livros de auto-ajuda e filosofias espiritualistas dizem que você é o responsável pela sua felicidade, que tudo que as outras pessoas dizem ou fazem deveria ser irrelevante perante seu "eu interior" plenamente realizado.

Mas o ego faz questão de garantir que as coisas não sejam tão simples assim. Ele é como um espião que entrega seus segredos ao inimigo, sabotando suas defesas e diminuindo o poder que você tem sobre seu estado de espírito. Existem muitos níveis diferentes para essa perda de poder, e ela nunca é constante por muito tempo.

Isso é um fenômeno perfeitamente natural, mas que se torna perigoso quando as pessoas percebem que tem poder sobre o modo como você se sente, caso você seja muito vulnerável irá, com o tempo, se transformar numa marionete cujo o propósito é atender as expectativas do controlador, e suas necessidades emocionais serão negligenciadas. A carência, o apego e a noção de posse são as cordas pelas quais os outros irão puxar você para um estado emocional que você não necessariamente gostaria de estar.

É claro que poder nas mãos das pessoas certas causam o efeito contrário. Se umas pessoas tem o poder de te fazer se sentir mal, outras vão te fazer se sentir bem, e identificar essas pessoas é crucial para uma boa manutenção do nosso estado emocional, consequentemente, da nossa vida social. Existem casos em que entregamos de bom grado poder nas mãos alheias para ver se a pessoa usa as metafóricas cordas para nos puxar para cima.

Mas é claro que ninguém quer sofrer, ninguém procura deliberadamente o sofrimento, ninguém pede para se machucar. Sendo assim, ninguém transfere poder sabendo que este será mal usado, sempre que depositamos fé e confiança nas pessoas, é porque esperamos resultados positivos de tal ato. A conclusão é simples: geralmente, as pessoas que tem o maior poder de te machucar são as mesmas que tem a maior poder de fazer você feliz.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Evolução


Qualquer biólogo que tenha estudado o assunto vai lhe dizer basicamente a mesma coisa: evolução é adaptação. Os organismos que, ao longo da história, conseguiram sobreviver foram justamente aqueles que melhor se adaptaram. A seleção natural estará sempre em desfavor dos inflexíveis, sempre trabalhando como uma força adicional para dificultar a vida daqueles que não se encaixam.

Podemos trazer esse conceito para o convívio social. Imaginemos que você, ao longo da sua vida, solidificou uma opinião sobre música. Se você não se flexibilizar e ouvir outros tipos de música você já esta automaticamente excluído de diversos eventos, festas e shows onde você poderia ter novas experiências. Você é como um animal completamente incapaz de sobreviver fora de um ambiente específico com um clima específico.

Mas o exemplo do gosto musical ainda é fraco, vamos utilizar a metáfora mais profundamente. Seu orgulho, seu ego e sua auto-imagem também podem fazer a seleção natural trabalhar contra você de uma maneira que talvez você nem perceba. A intolerância de um indivíduo e sua capacidade de adaptação são inversamente proporcionais, pois o conflito afasta as pessoas, ninguém gosta de discordância e o atrito social que é criado com a postura inflexível age como um repelente.

As pessoas mais bem aceitas e populares são aquelas que se flexibilizam, se adaptam. São as que conseguem facilmente se comunicar e se divertir com tipos diferentes de pessoas, que sempre consideram as necessidades alheias nas suas ações. Estes são os indivíduos evoluídos, que tem mais chances de sucesso profissional e sentimental, são os que tem "mais chances de sobrevivência" na nossa selva social.

Muito cuidado com conceitos imutáveis e verdades prontas, por mais que algumas pessoas gostem de pensar o contrário, o ser humano é um animal social, e grande parte da sua felicidade será invariavelmente ditada pela maneira como você se relaciona com os outros.