A aceitação de qualquer história (em consequência, seu sucesso), tem muito a ver com o processo de identificação que o público tem com ela, se você não se identifica com nenhum personagem de uma história, ou os dramas por ele vividos, ela simplesmente não é interessante. O tremendo sucesso que a série Two and a Half Men fez se dá exatamente porque ela tem como centro os conflitos que todos os homens no planeta vivem.
Qualquer homem que não esteja mais usando fraldas e seja presumivelmente heterossexual quer ser Charlie Sheen em algum momento da vida. Rico, descomprometido, pegador e vive na farra. E todos esses mesmos homens vêem em si um pouco de Alan, o altruísta doador injustiçado que simplesmente não consegue ser maior que seus medos e fraquezas. Two and a Half Men joga com estes extremos de estereótipos antigos de homem "alfa" e "beta" por assim dizer.
Não precisa ser um Sherlock Holmes para perceber que Two and a half Men é uma mera simplificação cômica de todo o mundo masculino, nossos medos, nossas esperanças, nossa guerra interna entre o bonzinho e o mau (representada pelo conflito entre os dois irmãos) onde ambos os lados parecem se complementar em alguns momentos, apesar de serem radicalmente diferentes.
Mas não é preciso assistir a série durante muito tempo para notar que na maioria das vezes, apesar das breves reviravoltas, Charlie está se dando bem e Alan não. O solteirão descomprometido faz sexo com mais fraquencia do que troca de bermuda, mente mais do que político brasileiro e nunca nada de realmente mal lhe acontece por causa disso. Algumas vezes, pequenos contratempos que não chegam a durar um episódio revertem o quadro e Charlie se encontra em situações difíceis ou ridículas, proporcionando á seu irmão mártir uma satisfação pessoal por justiça feita. Mas não dura muito tempo, logo o padrão volta e Charlie volta a ficar por cima. Até nos brevíssimos momentos em que Charlie é atingido por uma súbita tomada de consciência e decide mudar de estilo de vida, alguma improvável coincidência ou siplesmente uma recaída sempre o fazem voltar para a "estaca zero" (se é que podemos chamar aquela rotina de zero).
Já os conflitos de Alan, o altruísta-inexperiente-neurótico-inseguro-divorciado, são bem mais longos e profundos. Sua indignação com a falta de reconhecimento por seu bom comportamento atinge qualquer homem pelo menos uma vez por ano entre os 14 e os 120 anos que ainda não tenha se rendido ao estilo de vida "foda-se-vou-botar-pra-quebrar". Seu ressentimento é tão grande que fica instalado nele e acaba destruindo inúmeras chances de se relacionar através de neuras e palas que estão além do seu controle. O número de mulheres que se interessam genuinamente em Alan num primeiro momento até que é razoavelmente satisfatório, mas ele parece ter sido amaldiçoado com uma fortíssima magia negra que repele mulheres que passe mais de 15 minutos com ele.
Mesmo sendo uma série de comédia, qualquer um poderia dizer que a mensagem é a seguinte:
"Sexo descomprometido e falta de apego emocional = a mais perfeita felicidade."
"Altruísmo, honestidade e respeito pela sua ocmpanheira = ruína eterna e dolorosa."
Two and a Half Men é engraçado porque lembra a realidade, porque é uma forma cômica de representar conceitos e conflito que existem, é uma piada com coisa séria (como todas as piadas são). Na guerra entre Charlie Sheen e Alan, entre mentiroso e honesto, entre o seguro e o inseguro, é fácil saber quem está ganhando, é fácil ver quem enfrenta as menores consequências e sofre menos no conflito. A dura verdade é que conservar o valores como abnegação, humildade e solicitude custa mais caro do que a maioria das pessoas que já apanharam o suficiente da vida estão dispostas a pagar. Hora, para quê se preocupar com sentimentos alheios quando você pode facilmente obter toda a satisfação que precisa em relacionamentos superficiais? Basta comprometer boa parte de sua renda de modo a ostentar seu estilo de vida, não deixar que ninguém crie muitos laços e voilá!!! Você é um pegador!!!
Mas se os conflitos são nossos, as soluções também são. Existe um terceiro homem entre o os dois irmãos, sim, exite sempre um equilíbrio. Um homem que une o melhor que há em cada um dos irmãos, esse homem é o nosso espelho. Mas já falei dele neste post, e não vou me repetir. Nossa guerra não tem fim, e os tempos difíceis estão cada vez mais nos puxando para o lado desonesto dela, jogar sujo parece cada vez uma possibilidade mais plausível. Ética e moral estão dando lugar á cálculos de custo benefício que estão apontando todos para o mesmo lugar:
Antes ser Charlie do que Alan.