Ele já não estava sentado, cansara de ficar sentado. Estava de joelhos, vendo as ondas quebrarem nos pequenos degraus de pedra que davam acesso á praça. Era a maré alta, estava chegando. Pouquíssimos dias se passaram desde que ele parara ali para descansar, mas vira muitas pessoas e conversara bastante naqueles bancos. Pescadores, vendedores, matriarcas e até seus companheiros de viagens haviam passado tardes inteiras ali naqueles bancos. Na verdade, ele conversara tanto que se esquecera de que lugar era aquele, a praça fora construída exatamente no ponto onde antes havia O Farol, que lhe guiara por doze luas através de metade daquelas planícies.
Ele tirou o pingente mágico de dentro da blusa e observou seu fraco brilho por um instante, sua fênix morta jazia aprisionada ali, reunindo forças para voar de novo, para brilhar de novo. A estátua também estava ali, erradiando o mesmo calor fraco que o pingente. Ele se levantou e olhou para o mar agitado, sentiu um certo desconforto invadí-lo. Não gostava de mares agitados, nunca gostara. O calor de seu colar chegava a esquentar seu peito levemente, mas o que o intrigava não era isso, era que o colar só havia voltado a brilhar quando ele voltara para a praça. Há um tempo atrás, nas sua jornada, poderia jurar que não veria aquele brilho alaranjado por pelo menos seis luas, mas lá estava ele, pressentindo algo que estava por vir, ou lembrando de algo que já havia sido.
Quando a maré alta chegar, esta praça será inundada... por quê ela foi construída aqui? Será que o povo dessa vila não aprendeu nada com a queda do Farol? Ou será que esta era a intenção? Será que a pessoa que ordenou a construção, tanto do farol quanto da praça estava propositalmente fazendo monumentos temporários, para serem destruídos na lua alta? Se assim fosse, ele seria o primeiro a ter que deixar o lugar.
-Quantos viajantes desavisado olharam este lugar e nutriram esperanças de fazer dele um lar? Quantos outros viajantes não tiveram a minha capacidade de observação e morreram afogados na maré alta?
Mas suas lápides não estavam ali para provar nada. E naquelas planícies, dúvida era pior que certeza. Ele levou a mão ao cabo da adaga, ainda manchada de sangue coagulado de sua própria ave, apenas para se sentir seguro. Suspirou e o ar úmido do mar invadiu suas narinas numa sensação de nostalgia e medo. Que tipo de tirano construía tão perto do litoral? Será que era alguém tão obcecado pelo litoral que não conseguia ficar longe dele?
- De qualquer maneira, meus dias aqui estão contados. - Sem mapa e sem rumo, o bardo olhou para o céu, buscando sua única referência de orientação, as estrelas. Mas elas estavam encobertas pela tempestade, a maldita tempestade. Se houvesse magia dentro daquela estátua, se fosse ela quem estivesse fazendo seu pingente vibrar, ele poderia tentar fazer magia e se salvar. Mas isso era muito otimismo, e otimismo era um privilégio dos poderosos, donos de terras, cavalos e reinos. Ele era só um bardo, armado com uma pequena adaga e enfraquecido por uma viagem longa.
Não, não era hora de ser otimista, era hora de pintar o pior dos quadros, e o pior dos quadros era sempre o mesmo: morte.
- Como eu odeio tempestades... - Disse ele para si mesmo enquanto se aproximava da estátua anormalmente bem esculpida da jovem que nunca vira. - Como eu odeio...
Nenhum comentário:
Postar um comentário