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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Metáfora XXII




Há dez meses ele fazia o castelo de cartas, o ângulo de cada carta milimetricamente calculado para proporcionar uma estrutura piramidal perfeita. Colocava um por carta por carta. Haviam dias que não colocava nenhuma, dias em que colocava duas, e até aqueles dias em que ele colocava quatro. A cada semana o tamanho do castelo aumentada. Haviam algumas vezes em que ele chegava ao topo, mas então simplesmente adicionava mais duas cartas á base no canto da pirâmide e começava a aumentá-la de tamanho. As cartas verdes em cima da mesa estavam bagunçadas, ele havia juntado todos os baralhos que tinha para montar aquele castelo em cima da mesa.

A porta á sua esquerda estava fechada, mas as janelas e a outra porta estavam abertas, como sempre. Nada fazia a mesa tremer, nada fazia ele perder a concentração. Os movimentos eram precisos e calculados, se uma carta fosse colocada no castelo de modo imperfeito, ele a retirava cuidadosamente e tentava mais uma vez, era por isso que haviam semanas que ele só acrescentava um andar á sua estrutura. Frieza vinha sendo sua especialidade nos últimos dez meses. Com a excessão de dois breves momentos em que o vento batera a porta da esquerda, o castelo de cartas não correra perigo.

Contanto, é claro, que a porta permanecesse fechada.

Um dia, foi chamado para ir ao jardim. Botou mais duas cartas na sua estrutura e se levantou. Se arrumou e ficou animado, fazia tempo que não ia ao jardim, fazia tempo que não via as flores, o sol e muitas outras coisas que o animavam há um ano. Abriu a porta da esquerda e saiu. Quando chegou ao seu destino cheirou as flores e muitas pessoas que frequentavam o jardim periodicamente o cumprimentaram, todas comentando o longo tempo que ele não aparecia lá. O rapaz ficou feliz, correu, pulou, brincou e riu como não ria há muito tempo. Havia se esquecido de como era bom brincar no jardim, havia se esquecido de como era prazeroso sentir o perfume das flores, a maciez do gramado e as risadas dos outros que lá estavam.

Mas sua felicidade durou pouco. Pois ele não ia ao jardim por um motivo, e esse motivo não mudara em dez meses, e muito provavelmente não mudaria tão cedo. Ele se esquecera de porque desistira de sentir aquele perfume, de ver o gramado e de ver as pessoas. Se esqueceu de porque ele se trancara em casa construindo o castelo de cartas, usando cartas tão verdes quanto o gramado que queria evitar. E esse esquecimento lhe custou caro...

- Você está bem?
- Sim! Olhe só este maravilhoso gramado! Olhe só isso tudo!
- Então tem certeza de que está bem?
- E por que não haveria de estar?
- Não sei, talvez por causa da Phoênix...

Congelando, ele para um lado... nada. Olhou para o outro... nada. Mas quando olhou para o céu á sua frente, lá estava ela, brilhando de maneira incandescente já voando em sua direção. Ele pôde sentir o calor das penas á distância, pôde ouvir o bater das asas que assombrava seus sonhos e então começou a se lembrar de porque abandonara o jardim. Não era pelo jardim em si, ele aprendera com o próprio pássaro de fogo a amar o jardim como ele amava outras coisas, mas esse era justamente o problema: o pássaro amava o jardim também, e sempre estaria lá.
Assim que a ave flamejante passou por ele, as chamas o queimaram. Ele quase foi jogado para trás com a força do vento. Olhou para os lados desesperado e correu para casa.

Foi então que viu a porta da esquerda aberta e seu castelo de cartas que passara dez meses construindo no chão. Nem uma única carta ficara de pé. Ainda sentindo a dor das queimaduras, ele fechou a porta atrás de si. Era por isso que ele desistira do jardim, era por isso que ele sabia que ia ter que aprender á amar praias, montanhas, colinas e parques. Era por isso que aquela porta não podia ser aberta. Agora tudo fazia sentido, ele se sentou na cadeira que sempre se sentava para montar o castelo, ainda tremendo de nervosismo e com os braços ardendo, e passou um tempo olhando para o nada.

Era como voltar dez meses no tempo, ele botava as ataduras e, com as mãos tremendo, trancava a porta da esquerda, recolhia as cartas bagunçadas e as organizava numa única pilha, tudo exatamente como á dez meses atrás. Assim que terminou de organizar as cartas verdes do imenso baralho, dividiu-o em cinco pilhas, pegou duas cartas, e colocou-as em cima da mesa, uma encostada na outra, formando uma pequena pirâmide, e começou tudo do zero, exatamente como há dez meses atrás.

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